Sexta-feira, 19 Abril

«En Liberté!» (Em Liberdade) por Jorge Pereira

Pierre Salvadori diz que “a comédia é um caos organizado“. Em Liberdade! não podia estar mais próxima dessa citação, sendo por isso mesmo um triunfo num cinema francês cada vez mais entregue a fórmulas e crowd pleasers sociais

O início deste Em Liberdade podia sair de um filme de Hollywood ou mesmo Bollywood. Santi (Vincent Elbaz), um policia destemido, invade com os colegas um apartamento onde um laboratório de drogas é um paraíso para crime. Entre tiros e pancadaria, o nosso agente, vai – qual herói qual quê – resolver mais uma situação perigosa. Na verdade, esta cena é imaginada na mente de uma jovem criança que ouve insistentemente as aventuras do pai falecido pela boca da mãe, Yvone (Adèle Haenel), também ela pertencente às forças policiais.

Este início delirante é também o princípio de uma das melhores e mais sentidas comédias do ano, o género cinematográfico que Pierre Salvadori optou para contar uma história dramática. Na verdade, o policia herói era corrupto, mas a sua esposa só vai descobrir isso agora depois de uma aparatosa investida policial numa casa de sado-masoquistas. Ao descobrir que Santi não é digno do mérito e dos louros que lhe atribuem (onde se inclui uma bizarra estátua na sua cidade, ao estilo Harold Callahan), Yvone parte em busca de Antoine (Pio Marmaï), um homem casado com Agnès (Audrey Tautou), que foi recentemente libertado da prisão após passar 8 anos detido injustamente, acusado de um crime que na verdade não cometeu.

Inventivo e arrojado, o guião deste Em Liberdade toca de forma humorista em temas como a culpa, a injustiça, o amor, paternidade e expetativas, tudo através de uma forma descomplexada e burlesca, sempre com um foco na intimidade e drama de uma mulher que descobre que viveu vários anos enganada e que contaminou o filho com a visão que tinha do marido. Isso vê-se na apresentação da mesma história de encantar para o miúdo dormir que a viúva conta sistematicamente, agora com versões diferentes a serem apresentadas à medida que ela vai descobrindo a verdade sobre o seu ex-companheiro.

Mas embora Haenel demonstre estar como “um peixe na água” num género não muito habitual no seu Cinema, a grande força está mesmo na personagem de Antoine, com um irresistivel neurótico Marmai a representar todos os calos e barreiras que o seu Antoine ganhou/criou após tantos anos detido erroneamente. É delirante a forma anárquica como ele se comporta, como que procurando justificar a pena que cumpriu. Os seus momentos com Haenel são puro ouro e o último terço do filme ajuda a dupla a explanar a sua qualidade na interpretação, revela-se o guião ainda mais atrevido no destino que Salvatori tem para todos.

O realizador, aliás, consegue juntar todas as peças do seu filme com sapiência e mestria, nunca seguindo o campo da sutileza da narrativa para não irritar as “massas”, mas  transitando de loucura em loucura com pulso, destreza e uma forte noção de ritmo. Ou seja, eis um filme tão hilariante como estimulante na sua vertente de drama por sugestão.


Jorge Pereira

Notícias