Sexta-feira, 29 Março

«The Endless» (O Interminável) por André Gonçalves

A mais velha e mais forte emoção da Humanidade é o medo, e o mais velho e mais forte tipo de medo é o medo do Desconhecido” – H.P. Lovecraft

Depois do OVNI Spring, é assim que Justin Benson e Aaron Moorhead iniciam uma nova jornada “fora da caixa”, à procura desta vez das suas origens. A dupla de cineastas regressa assim ao universo do seu primeiro filme de 2012, Resolution. Dois dos membros de um culto presente já nesse filme são então agora protagonistas da história – dois irmãos, precisamente interpretados pela dupla de realizadores, que conseguiram fugir ao dito culto. Mas um dia, um pacote contendo uma cassete de vídeo (o anacronismo do filme não passa despercebido, até os telemóveis são de uma outra vida anterior, e o filme não dá essa papa de nos localizar no tempo) chega a casa destes. É um vídeo de despedida, anunciando um apocalipse. E agora? Deve-se confiar em pessoas que outrora os controlavam psicologicamente? Ultimamente, a curiosidade fala mais alto, e assim, a dupla regressa então a um palco onde tudo de repente começa a ser possível. 

O dom de Benson e Moorhead, enquanto criadores, continua assente em levar-nos até territórios que pouco conhecemos. Não falamos necessariamente em termos literais: sim, é certo que há, ainda assim, poucas histórias deste lado de Martha Marcy May Marlene sobre sobreviventes de cultos;  falamos de manter as possibilidades narrativas em aberto, como que convidando-nos a a aderir à sua seita cuja receita é até bem clássica: mexer com a nossa percepção de espaço e tempo.

The Endless não se preocupa em atar pontas, e para um filme tão disruptivo com a percepção da realidade como a vemos todos os dias é de uma proximidade curiosa: os realizadores atribuem o seu nome às suas personagens, comentam diretamente com o espectador através de diálogos autocríticos descendentes do pós-modernismo popularizado pela saga Screame, antes de distorcer a nossa visão, a câmara ocupa-se de conhecer um pouco estas figuras centrais, que foram “família”, como se houvesse aqui um tom de reportagem/documentário sobre o culto em si.

A ter que apontar um aspecto negativo, talvez seja mesmo a resolução mais limpa, mais em tom de deus ex machina. Mas é certo que muitas perguntas permanecem por responder, ou por debater, sublinhando o traço artístico e nerd desta dupla, que conclui assim mais uma prova incontestável de que não é preciso muito dinheiro para fazer cumprir uma boa ideia.  

 

André Gonçalves

 

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