Sexta-feira, 29 Março

«My Dinner With Hervé» por Jorge Pereira

Baseado no encontro do escritor/realizador Sacha Gervasi com Hervé Villechaize, dias antes do seu suicídio em 1993, My Dinner With Hervé* é um telefilme tão peculiar como o seu objeto de estudo, o ator francês que encontrou relativo sucesso nos EUA depois de participar num filme da saga James Bond e de ter desempenhado o papel de Tatoo na mítica série Ilha da Fantasia.

De plane, de plane” assim gritava Hervé na mítica série que representou para si o ponto alto de uma carreira onde não faltaram inúmeros problemas e conflitos. Tudo é contado de forma fanfarrona por Hervé (Peter Dinklage) a um jornalista britânico (Jamie Dornan) enquanto se passeiam entre hotéis, casas de striptease e a habitação do seu agente (David Strathairn).

Hervé revela sempre o seu modo de celebridade (a sua t-shirt diz logo tudo), profundamente egoísta e inseguro com uma máscara de bazófia onde não faltam histórias de engates, festas e até situações de pancadaria com outros atores anões. Na realidade, o que My Dinner With Hervé demonstra é um homem profundamente carente, com uma tremenda necessidade de ser o centro das atenções, compensando uma infância e adolescência extremamente difíceis em França, onde era visto como uma aberração e foi submetido a intensas terapias “inovadoras” pelo seu pai cirurgião.

Se o filme não restaura propriamente a dignidade ao seu objeto, ele dá-nos pelo menos uma perspetiva dos factos que vão além da demonstração de excentricidades e do antropocentrismo da figura. Hervé tinha claramente problemas psicológicos que se refletiram nas suas escolhas, algo não tão diferente na personagem interpretada por Dornan, Daniel Tate, um ex-alcoólico com problemas matrimoniais e laborais que tenta agora por os pontos nos ís na sua vida colapsada. É após falhar uma entrevista com Gore Vidal, que este jornalista se vai inteirando e aproximando de Hervé, representando estes dias que passaram uma chamada de atenção para a sua vida e o impulso que a sua vida precisava. Sim, é com a morte de Hervé que Tate catapulta novamente a sua vida, como que sobrevivendo e encontrando rumo com a morte de alguém que apenas conheceu há uns dias.

Gervasi gosta de dramatizar a vida de personagens reais encurraladas em momentos específicos da sua vida. Já o tinha feito com Hitchcock, ou então em Terminal de Aeroporto, obra inspirada na personagem real de Mehran Karimi Nasseri que esteve 18 anos no aeroporto de Paris, Charles de Gaulle, de 1988 a 2006. Aqui – seguindo a linhagem de obras como My Week with Marilyn – ele oferece um relato agridoce pessoal que serve também como relato de uma época, das consequências do bullying na infância e adolescência, mas principalmente dos excessos associados à cultura da celebridades. Uma nota final para o desempenho de Dinklage, que efetivamente teve aqui o seu papel mais difícil e conseguido desde A Estação (2003).

*referência a “My Dinner with Andre”, o filme de 1981 de Louis Malle

 


Jorge Pereira

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