Terça-feira, 23 Abril

«22 July» (22 de julho) por André Gonçalves

 

Quando se filma um atentado político baseado em factos reais, há uma noção de coragem associada. Quando se filma três, fica difícil esconder o fetiche por este tipo de tragédia. Bloody Sunday, United 93 e agora 22 July – três dias, três histórias de terrorismo, três simulacros. (E de uma maneira arrepiante, três filmes que tiveram no mesmo ano visões alternativas sobre os mesmos eventos: SundayWorld Trade Center e U – July 22, respectivamente.)

Do Festival de Veneza para a Netflix, o filme de Greengrass toma logo, antes mesmo de ter efetivamente começado a filmar, uma decisão péssima (sobretudo em 2018, onde deixou de haver desculpas para tal): “inglesar” estas personagens – fazendo-as falar na língua globalizada que é o inglês, acaba por minar ironicamente o tom sóbrio e de cinema verité que sempre tentou alcançar ao longo do seu percurso. Tira-nos logo da ação, e dado que estamos perante um filme que procura tanta colagem à realidade, é um tiro no pé a obrigar logo amputação. 

O realizador pode ter pensado que não seria tão grave; que os benefícios, em primeiro lugar, de poder trabalhar com atores noruegueses numa língua que todos entendessem, na desconfiança que as suas intenções se perdessem na tradução, e em segundo lugar, na mais fácil internacionalização da obra, fossem facilmente suplantar este pequeno grande pormenor linguístico.  

Ao tentar desviar-se das acusações de sensacionalismo ao despachar o ataque propriamente dito para o primeiro 1/5 de filme, o que se passa é que o que resta não traz propriamente nada de novo em termos cinematográficos… Greengrass gosta aparentemente de uma técnica tradicional de montagem em que o áudio surge fora do tempo em que efetivamente aparece no ecrã (“j-cut”/”l-cut”) para dar tornar tudo isto mais fluído, e também para disparar a memória da vítima principal aqui retratada, mas esta aparente fluidez não torna efetivamente a ação, mais próxima de um telefilme (e daí estar bem entregue à Netflix), mais propositada.

Existe ainda assim, no meio da esquematização fácil de vítimas sobreviventes, advogados e criminoso, uma vontade política preditiva, uma aura de “filme importante” que é ainda assim difícil de abanar. Talvez se perceba, por uma conversa final, que fosse mais essa a intenção do realizador ter uma obra como esta em 2018, de refletir que de facto, este atentado possa ter sido apenas o início de uma era de medo e aproveitamento político desse mesmo medo. Infelizmente para este espectador, este é um filme duro de se ver e impossível de se rever não apenas pelos motivos que Paul Greengrass desejaria… 

 André Gonçalves

 

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