Sábado, 20 Abril

«Marilyn» por André Gonçalves

O cinema argentino tem mostrado neste novo século uma progressividade no tratamento dos temas LGBT notável. 

Com Marilyn, conta-se uma história tragica real: um crime ocorrido numa comunidade rural argentina. Para que o filme possua o efeito surpresa desejado, não mencionaremos quem foi o “criminoso” e quem foi a “vítima”… Se bem que uma das vítimas será sempre a vítima da homofobia da sociedade: Marcos, um adolescente que gosta de experimentar roupas femininas e sair para os bailaricos vestido de mulher (Marilyn), tem claramente feita a vida negra. Pelo meio há uma paixão praticamente milagrosa por um merceeiro de uma região vizinha, numa interação tocante.

Martín Rodríguez Redondo afirmou posteriormente, na sessão de perguntas e respostas desta sessão no Queer Lisboa 22, que entrevistou, quer o condenado quer os conhecidos desta família para conseguir preencher os buracos que as peças mediáticas tivessem deixado. Ainda assim, a nossa empatia nunca recai sobre a família do protagonista, sobretudo após a morte do patriarca e a pressão externa para que os dois filhos rapazes se tornem homens – até para protegerem a sua quinta de roubos que se tem intensificado.

Com os olhos todos postos no protagonista e uma performance de Walter Rodríguez que ajuda a conferir também profundidade extra a essa empatia natural que a personagem possui, pode-se adivinhar um destino trágico (história real e tudo) logo à partida para esta personagem – i.e. ainda mais trágico que o que testemunhamos nos primeiros 75 minutos de filme.

Rodríguez joga particularmente bem com a mão que tem, sim, evitando sobrecarregar momentos-chave tensos com banda sonora, por exemplo, evitando assim que o retrato naturalista descaia para um registo mais exploratório. Não evita um certo facilitismo neste retrato sim (no que toca às entidades externas a “Marilyn” são todas elas de uma bidimensionalidade frustrante), mas a sua resolução abrupta, um K.O. às expectativas iniciais – ajudado aqui pela realidade, lá está – acaba por corretamente subverter o que parece ser o tema essencial em si: como os papéis de vitimas e agressores podem não ser encaixados nos estereótipos classicamente fabricados sobre eles. 

André Gonçalves

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