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Joaquim: o meu nome agora é Tiradentes!

Dirigido por Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus), eis uma incursão na vida de Joaquim José da Silva Xavier, ou imortalmente designado por Tiradentes, uma das importantes figuras da revolução anticolonialista, antes de se tornar no estandarte ideológico. Porém, ao contrário do que poderia suscitar aqui, a fita não se revê em parâmetros patrióticos idealizados, renegando sobretudo qualquer lavagem dessa natureza, e sim, aposta num retrato subliminar dessa concentrada ala politizada. Lembramos também que o nome Joaquim remete também a uma personalidade destacada durante a Ditadura Militar, só para termos a perceção da dualidade do seu próprio simbolismo.

Mas voltando ao filme que descortina perante o modelo martirológico que Joaquim, interpretado com certa pujança por Júlio Machado, se converteu após a sua trágica sentença, Marcelo Gomes aposta numa frente em constante ebulição de um homem ambicioso quevai estagnando perante uma desilusão, no qual espelha ou se auto-recompensa através de uma proclamada luta entre classes identitárias. Em certo aspeto, este constante jogo de humilhação de um homem só entra em dialogo com Zama [1], a mais recente fita de Lucrecia Martel, apoiando-se ambos em discursos de deceção do sistema colonialista. Nesses termos, não querendo inteiramente seguir esse paralelismo entre as duas obras citadas, Joaquim joga em puro modo de defesa, enquanto o passado encenado tende em dialogar com um presente atribulado.

Se a culpa é dos portugueses, diversas vezes citados como um desvio de responsabilidades (como é o quase da corrupção, mencionado como algo culturalmente hereditário), o nosso Tiradentes abraça com isso um turbilhão de ideias que se escarnecem como afronta às suas próprias injustiças. Aqui entramos em território de ingenuidade que se confunde com a politica dos nossos dias, um ódio vinculado que suscita uma idealização projetada, não correspondendo a intenções demarcadas com a realidade dos factos. Como tal, Joaquim converte-se numa figura refém desta mesma “fantasia”, acreditando piamente na igualdade dos homens que não se reverá na estrutura formada dos colaboradores.

A sequência final demonstra essa “desigualdade” disfarçada, essa hierarquia que tende em operar em conformidade com um entranhado triângulo de cadeias e a tendência de ideologias divergentes que trazem resultados idênticos. A dita cena transmite com todo um detalhe sugestivo os efeitos desse iminente motim colonial, que entra em contraste com as similaridades culturais entre os diálogos babélicos entre o escravo (Welket Bungué) e o indígena (Karay Rya Pua).

Em suma, renunciando a esquematização quase imperativa das cinebiografias de hoje, Joaquim lança o seu trunfo, assumindo como um relatório perfilado da psicologia de um “bem histórico”, olhando para esses factos com a convicção de abordar o nosso existente panorama. Mesmo que o filme em si, em termos técnicos, oscile na boa vontade de um realizador incisivo e inerente (como o encanto algo narcisista da personagem de Júlio Machado quanto ao seu reflexo no lago) ou na câmara, por vezes “embriagada”, que confunde o método guerrilheiro como a única solução de filmar em ambiente silvestre.