Sexta-feira, 29 Março

«Kin» (Arma Letal) por André Gonçalves

 

Geralmente, a principal queixa da expansão de uma curta-metragem para o formato longa-metragem é sentir que não havia assim tanto mais para contar. 

No caso dos irmãos gémeos australianos Jonathan e Josh Baker, adaptar a sua curta Bag Man revelou-se a oportunidade de deitarem tudo o que tinham cá para fora, como se esta fosse a sua última oportunidade. Como se tivessem adivinhado que, entre a possibilidade de ficarem enterrados num catálogo cada vez mais vasto de uma certa plataforma de streaming, ou serem despejados no pior fim de semana para se lançar filmes, só iam ter uma tentativa de contar o que poderia facilmente ser desenvolvido numa nova saga. Sendo assim, saímos de Kin incertos de todas as peças funcionem, mas também fascinados por elas todas estarem aqui à disposição.

Estamos, em primeiro lugar, e para maior das surpresas, perante um filme “classicista”, no sentido em que nutre claro carinho pela ficção de perseguição de outrora, incapaz até de ceder ao confronto fácil, e até render-se aos set pieces de um Terminator. Aqui a perseguição a estes dois irmãos de origens diferentes (Myles Truitt e Jack Reynor) parte de duas frentes: uma equipa procura uma arma que o irmão mais novo roubou de um edifício abandonado, enquanto caçava sucataria; outra, liderada pelo mafioso Taylor Balik (James Franco, inicialmente parecendo ter saído do cenário de Spring Breakers, para imediatamente impôr respeito com uma máscara psicótica tanto à sua medida) procura vingança por um “trabalho incompleto”, por assim dizer.

Ora, esta duplicação, à qual se junta um confronto adicional ali pelo meio, faz desde logo prometer uma ação que o filme não busca oferecer, adia propositadamente. Prefere focar-se em “pontos mortos”, uma tentativa bastante nobre de elevar a interação entre estas personagens que antes desta história começar, eram também perfeitos desconhecidos. E pese a diversidade na escolha do elenco, o filme não se inibe em ir a lugares politicamente incorretos por assim dizer, como espelhar no grande ecrã a fantasia de qualquer miúdo heterossexual de 14 anos: ser levado pelo seu irmão mais velho a um bar de strip, e disparar uma arma – à qual só ele está misteriosamente qualificado para disparar.    

E não é só no conteúdo que o filme demonstra não querer ser o novo Transformers (ou mesmo o claramente mais idolatrado Terminator 2– referenciado aqui diretamente num jogo de arcada). Os irmãos vão ali revelando traços estéticos nos planos a chamar atenção para si, ao ponto de aqui e ali poderem até distrair o espectador. Perante mostra tão diversificada de portfolio, e dado o passado publicitário da dupla, há que perdoar um ou outro plano mais sonhador em câmara lenta.  

Kin, tal como a arma que “cai do céu” ao seu protagonista, é um objeto difícil de descodificar à partida. O seu potencial e funcionalidades vão sendo reveladas aos poucos, mas a sensação final é um pouco contraditória: o de por um lado ter sido feito muito com tão pouco, e ainda assim não ter concretizado o suficiente para ficar para a memória coletiva futura. Ainda assim, merece respeito acima de tudo pela maneira como os seus eventos díspares, mesmo culminando num clímax obrigatório, não aparecem programados por uma equipa de argumentistas robô, conferindo a esta ficção mais ou menos científica um toque realista tão em falta pelos lados de Hollywood. 

André Gonçalves  

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