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«Juliet, Naked» (Juliet, Nua) por Jorge Pereira

Baseado na obra homónima de Nick Hornby, o autor de livros como Era Uma Vez Um RapazO Grande Salto, Juliet, Nua é uma curiosa comédia romântica bem doseada a indie rock que mostra as implicações do fandom num grupo de personagens onde se inclui o seguidor inveterado de um músico, a sua companheira e o músico, apresentando a discrepância entre fabulação das histórias e a realidade per se, isto enquanto apresenta também um olhar ao passado e uma redenção tardia mas gratificante sobre a vida pessoal.

Ethan Hawke e o seu Tucker Crowe estão no centro das peripécias. Músico famoso norte-americano do circuito independente na década de 1990, Tucker criou um pequeno culto em seu torno, desaparecendo a meio de um concerto em Minneapolis, e criando com isso uma série de teorias lendárias sobre a sua personalidade – uma espécie de Elvis para um nicho, ou melhor, um Jeff Buckley que desapareceu de cena, ao invés de morrer. Um dos seus maiores (senão o maior) seguidores é Duncan (Chris O’Dowd), um professor de cinema e televisão que vive com a sua companheira de longa data, Annie (Rose Byrne), na zona costeira de Sandcliff, no Reino Unido.

Duncan é o que podemos chamar um fanático (ou estudioso) da carreira de Crowe em larga escala, publicando na internet diverso conteúdo sobre o músico, participando em fóruns e teorias sobre ele, e mantendo em sua casa como um verdadeiro templo ou museu com material ligado ao músico. A sua esposa carrega insatisfação a cada passo que dá (belíssimo trabalho de contenção e melancolia de de Byrne), não só pela vida monótona que leva na povoação mas porque a certa altura começou a desejar ter filhos, algo que os dois inicialmente não queriam ter. “Quero amor incondicional e não apenas uma manifestação de afeto simples“, diz Annie a certo momento, estabelecendo o que vai de errado na sua relação com Duncan, um homem obcecado mas que na sua maneira está também insatisfeito com a vida e onde a sua clara obsessão diminui a capacidade crítica que tem em relação ao seu objeto de culto.

Quando uma demo rara de um trabalho de Crowe é enviado a Duncan e Annie a ouve, iniciam-se uma série de eventos que vão colocar a mulher em contacto com o próprio músico, alterando a vida de todas as personagens em cena.

Uma das primeiras sensações que temos neste Juliet, Naked é que já estivemos com Nick Hornby nestes temas, nomeadamente em Alta Fidelidade, outro reflexo do fandom musical encapotado de comédia romântica e com frequentes viagens ao passado para entender os erros. Mas se o filme protagonizado por John Cusack falava em novos desafios, medo de arriscar e se focava no reaproximar ou não de um casal, Juliet, Nua segue outra direção mais contida (menos arriscada), embora sempre mantenha a capacidade de nos fazer rir com as peripécias da vida, em especial quando se centra em Tucker, um homem que parece não saber nunca muito bem o que está a acontecer, apanhando os cacos da vida como um resultado de ações passadas questionáveis (a cena no hospital é hilariante) – como se fosse uma versão mais tardia e rockeira do Will de Era uma Vez um Rapaz.

Aqui entram também em cena os tempos modernos, não só na expansão do fandom e nas novas formas de criar fábulas e teorias mirabolantes sobre a vida das estrelas que saem de cena, mas a forma como os fãs (muitas vezes de forma tóxica) refletem a arte não pelo que o artista quis criar, mas pelo que eles sentem sobre o objeto artístico. Essa mesma tecnologia – a internet- ajuda aqui também o romance, e embora a certo ponto pensamos que estamos num novo Você Tem Uma Mensagem (1998), versão indie rock, rapidamente (e felizmente) o filme afasta-se disso, perseguindo mais a destruição da confabulação em favor de um tom mais realista sem nunca cair no miserabilismo arcaíco.

No final, temos ainda – de forma superficial – a velha questão da arte e dos artistas, como que se estes nos teus difíceis, tristes e solitários conseguissem criar obras mais poderosas e marcantes do que quando estão felizes ou realizados. Pena é que o final soe a apressado, embora o último terço já indicasse que existiam algumas dúvidas dos caminhos a seguir, quer das personagens, quer da história.

Ainda assim, Juliet, Nua é um filme estimulante, com uma narrativa bem engendrada, temas interessantes sobre novas posturas e ideias para a vida, e um trio de atores com suficiente carisma, graça e ternura para nos proporcionar 105 minutos de Nick Hornby em forma.


Jorge Pereira