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«The Seagull» (A Gaivota) por Raquel Soares

Existe uma longa tradição de adaptações de peças de teatro para o grande ecrã, desde inúmeras adaptações de Shakespeare, a recorrente inspiração vindo da Broadway, sendo muitas vezes um laboratório para aprofundar o trabalho de ator. No entanto, as dinâmicas vinda do guião do teatro são distantes das do guião para cinema e muitas vez uma simples transmutação direta não chega.

O filme A Gaivota teve assim como primeira casa o palco. Escrita no século XVII pelo dramaturgo russo Anton Chekhov, esta é uma obra que pega em estereótipos e as transforma em personagens que convivem numa comédia dramática cheia de subtexto, com laivos que lembram bastante Eça de Queiroz e a ironia de Charles Dickens. Tratando-se de uma clara crítica social à hipocrisia do ambiente artístico e do sobre-dramatismo da altura

O filme inicia, no entanto, de forma bastante desastrada, com uma edição aos saltos que parece ter dificuldade em ligar as cenas. Fica a questão se isto se deve ao facto de ser adaptação de um guião de teatro ou se é por falta de talento da realização. Passado alguns minutos de visionamento parece que o filme vai ao lugar, decorrendo mais harmoniosamente e sem tantos cortes bruscos e passagens de tempo sem sentido.

As personagens demoram também a encaixar. Demoram muito tempo até se tornarem claras para o espetador e nalguns casos o papel desta e a relação que tem com as outras continua bastante dúbia até ao fim. Sendo que nenhuma personagem cresce, mantendo o mesmo perfil de caricatura até ao fim, mesmo quando se desviam da rota para o desfecho, sente-se que não aprenderam nada (um pouco como n’os Maias), mas pudemos atribuir isto a um mecanismo do dramaturgo para demonstrar a imobilidade do homem.

Entretanto, o filme mantém uma aura de estranheza até aos créditos finais, dando sempre uma sensação de incompreensão. As metáforas e símbolos passam-te ao lado porque nunca são explorados profundamente pelo filme (parece faltar contexto). Compreendemos as ações das personagens, mas falhamos em compreender as intenções destas, as suas motivações mais profundas, o que dá à crítica social uma capacidade muito superficial.

Isto não quer dizer que o filme não tem os seus pontos positivos. As atuações são todas bastante sólidas, fundindo-se com as personagens e dando-lhe um charme especial, especialmente a Elisabeth Moss, desempenhando comédia da forma mais dramática possível. Para além disso, alguns momentos de qualidade encontram-se neste. As pretensões que o escritor amador tinha em relação ao “superficial” teatro conhecido é não só interessante como profundamente familiar aos dias de hoje. O teatro improvisado foi também uma cena única e extremamente bela. O quadro amoroso também trouxe algumas ideias atraentes apesar de pouco explorado, trazendo ao de cima discussões como o encanto pela fama e a ligeireza do enamoramento e a profundidade do amor. A fotografia também tem alguns bons momentos do filme de época, porém, mesmo que belo é pouco distintivo.

Concluindo, A Gaivota é uma tentativa interessante mas que falha em diversos aspetos técnicos. Sendo uma sombra de algo que poderia ter sido, ninguém poderá negar que tem o seu próprio carácter. Mesmo terminando de maneira tão atribulada.

Raquel Soares