Estávamos em novembro de 2017 quando surgiram relatos que o realizador franco-libanês Ziad Doueiri foi detido ao chegar ao aeroporto de Beirute. Em causa estava as visitas de Doueiri a Israel, onde ele filmou parte do seu filme O Atentado, de 2012. O Líbano está oficialmente em guerra com Israel e proíbe os seus cidadãos de visitar o país.

Já na época, numa entrevista ao c7nema, Doueri mostrou-se agastado no que diz respeito às críticas vindas do mundo árabe ao facto de ter trabalhado em Israel e com atores israelitas: «eles não estão preparados para ver realizadores árabes a trabalharem com atores judeus. Eles dizem que é traição, que é estúpido. Para eles não se pode pôr num mesmo nível oprimidos e opressores.»

Este preâmbulo serve para iniciar esta crítica a The Insult (O Insulto), premiado em Veneza e candidato ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Seria fácil categorizar o cineasta como um provocador  – já o era no seu anterior filme – ao apresentar neste seu trabalho complexo o reflexo das feridas ainda abertas da guerra civil libanesa, um conflito menos conhecido no Ocidente cujas notícias do Médio Oriente parecem centrar-se no conflito Israelo-Palestino. O Líbano e a situação atual é uma consequência grave desse conflito e a sua história política e bélica não o colocam como um mero dano colateral ou figura passiva na região.

Contando a história de um homem (cristão) que impede pela força o arranjo de um cano numa varanda por parte de um capataz das obras palestino (muçulmano), Doueiri levanta a gaze da ferida do conflito libanês, tomando o caso proporções épicas e estatais que fazem referência a massacres na região perpetrados no final dos anos 70 e que moldaram geracionalmente uma população numa cultura do Ódio. Sim, O Insulto por aqui é uma desculpa bem engendrada para falar de um problema nacional, que para mentes europeias, até se pode comparar com o que passou nos territórios da ex-jugoslávia. Por outro lado, e além da sua faceta de estudo político, social e histórico, há um ponto de vista de trivialidades humanas em cada uma das experiências, lançando-se farpas ao “fundamentalismo” de certas atitudes e ideias, ao “orgulho” e até à sufocante masculinidade retrógrada que ajuda a carburar qualquer conflito.

Embora nem sempre seja suficientemente subtil ou incisivo na forma como trata a narrativa, Doueri constrói um filme de tribunal como uma análise profunda a história recente da nação, entregando pontos de vista – muitas vezes estereotipados – mas afiados na apresentação da xenofobia, vitimização e até moldes de racionalidade e moral.

Israel aqui é também falado, mas numa terceira pessoa, como elemento com um papel ativo na situação, mas não central, sendo também varrida em observações dos dois lados com mais ou menos intensidade. Mas, acima de tudo, The Insult é um filme de pessoas, com o cineasta a construir e a desconstruir as personagens com alguma mestria e a fazer abanar o sistema e as ideias pré-concebidas.

Destaque para a dupla de atores que se entrega com destreza nas suas personagens martirizadas, mas aparentemente “fortes” e certas da sua razão ou não. A ver.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
the-insult-por-jorge-pereiraEmbora nem sempre seja suficientemente subtil ou incisivo na forma como trata a narrativa, Doueri constrói um filme de tribunal como uma análise profunda a história recente da nação