Sábado, 20 Abril

«Soleil Battant» (Sol Cortante) por Raquel Soares

Construir um filme que seja tão solarengo na fotografia e ao mesmo tempo tão negro em natureza dá origem a uma peça de arte sob uma aura de assombração muito particular. Sol Cortante começa como um quadro de beleza campestre ao som do riso de crianças que se transforma devagarinho numa crónica sobre a desconstrução de uma família e resolvendo como uma casa de horrores demasiado familiares.

Esta é certamente uma produção cheia de talento, sendo que este é um filme de pura técnica. Vasco Viana fez um trabalho excecional em captar o Alentejo como se um paraíso isolado se tratasse, o prado e os riachos assemelham assim a pedaços do amanhecer. Jogos de luz que brincam com a escuridão da noite versus a luz artificial ou vice-versa transforma-se em planos carregados de simbolismo. Todos os atores encontram-se totalmente emaranhados nas personagens, diluindo-se para sermos mais exatos, sendo que a única coisa que os separa de verdadeiros locais é a sua beleza irreal e particular daquelas que pertencem ao mundo do Cinema. As duas gêmeas, de seis anos de idade, chegam mesmo a ser um pequeno milagre, o qual juramos que as próprias criaram as cenas.

Sol Cortante é assim especial pela sua qualidade de pedaço de realidade (comum na tradição de cinema europeu). Situado num Portugal de amostra, isolado de noções de tempo (quase como um efeito globo de neve), em Sol Cortante sentimos que as personagens “vivem” muito antes do primeiro arranque do filme. Inicia-se, ignorando estruturas e noções de atos, tornando-se cada vez mais filme à medida que se vai avançando e as decisões vão adquirindo o seu tom mais dramático.

No entanto, o guião peca por saturação, puxando e repuxando as ideias que já tinham sido passados e tentando forçar a tristeza numa situações melodramáticas. O que começa por ser sutil e extremamente inteligente converte-se no extremamente dramático e previsível retirando profundidade e peso à mensagem. A expressão beating a dead horse nunca parece ser mais aplicável à medida que os últimos minutos do filme avançam, levando-nos a uma resolução de contraste grotesco. Falando em resolução, esta, não só é superficial e pouco credível como pode ser visto como problemático, uma vez que toma como decidido as tendências tóxicas das personagens. Falha, assim, totalmente a apontar ou a trabalhar estas, ou a considerar as cicatrizes incuráveis que estes comportamentos irão deixar. Tornando-se impossível levar qualquer tipo de crescimento das personagens como tendo qualquer significado

Sol Cortante falha então a pintar um quadro satisfatório de uma família em ruína. Mesmo tratando-se de uma história comovente e de certa forma familiar, envolvida em fotografia de tirar o fôlego, infelizmente perde tato e credibilidade a meio do seu caminho. Não deixando, no entanto, de ser uma tentativa com mérito (especialmente se considerarmos que é a segunda longa-metragem das duas realizadoras).

Raquel Soares

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