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«The Bookshop» (A Livraria) por Jorge Pereira

Não se percebe como The Bookshop conseguiu derrotar Handia nas principais categorias dos prémios Goya (Melhor Filme; Melhor Realização), pois apesar da realizadora Isabel Coixet mostrar o seu fascínio pelo romance de Penélope Fitzgerald, no qual o filme é baseado, assim como a sua paixão pela leitura, o resultado final revela-se pouco afiado e curto de emoções para além de ser mais uma história profundamente enquadrada na cinematografia da catalã, habituada a lidar com mulheres corajosas em ambientes repressivos.

Se pensarmos bem, o grande problema aqui é mesmo a abordagem da cineasta, clássica e até acadêmica – ao estilo Lasse Halstrom – fazendo tudo isto parecer uma versão de Chocolate com livros e uma voz off em modo soporífero e redundante numa tentativa poética da narrativa em suprimir deficiências estilísticas visuais (também espanta o prémio de melhor realização).

A história de uma pequena localidade britânica no final dos anos 50 tem o seu charme quando é colocado em confronto uma jovem viúva (Emily Mortimer) que quer abrir uma livraria, e uma estrutura oligárquica local, materializada numa outra figura (Patricia Clarkson) que pretende um centro de artes. Rapidamente o espaço, uma velha casa, torna-se o objeto de luta entre duas figuras, duas sociedades e dois pensamentos, tudo sob um retrato do triunfo da mesquinhez e corrupção (que se entranha nas esferas de poder local e legislativo) sobre os idealismos e pensamento mais liberal.

E não são inocentes as referências a Fahrenheit 451 ou Lolita neste La Libraria, pois se no primeiro a queima dos livros funciona como alegoria ao totalitarismo, e o livro de Vladimir Nabokov um objeto provocador capaz de incendiar opiniões (ainda hoje), a sua aparição aqui serve para fazer a ligação entre os velhos e os novos tempos, onde o poder se ganha pelos contactos, conhecimentos e dinheiro (até ao sufoco capitalista).

No meio disto tudo, as prestações do trio Emily Mortimer, Bill Nighy, Patricia Clarkson são as esperadas, mas ainda assim pouco penetrantes neste universo de injustiças entre os que detém o poder e os oprimidos.. Na verdade, Coixet tem nos últimos tempos embarcado em projetos que verdadeiramente estudam as limitações impostas a personagens que tentam sobreviver e viver na sua plenitude (e felicidade) em espaços hostis, mas a cineasta parece ficar sempre mais pelas intenções e ensaios teóricos do que pelos resultados verdadeiramente marcantes, não só em termos de espetacularidade, longe disso, mas mesmo em apresentar camadas e camadas de temas e problemas longe do óbvio.

Esperemos que no seu próximo projeto – sobre o primeiro casal de lésbicas a casar-se em Espanha – a realizadora solte-se das amarras derivativas do seu cinema mais recente e imponha um cunho maior de arrogância e irreverência, que tanto ela tem na sua confrontação com a imprensa, com a indústria de Cinema e com os filmes que fazia nos anos 1990 e 2000, como em Coisas Que Nunca Te Disse (1996), A Minha Vida Sem Mim (2003) e A Vida Secreta das Palavras (2005).

Jorge Pereira