Terça-feira, 19 Março

«Love, Simon» (Com Amor, Simon) por André Gonçalves

Todos merecem uma grande história de amor“. O cartaz promocional de Love, Simon desde logo nos tenta avisar da universalidade da história de amor que tem para nos contar. A universalidade não tem obrigatoriamente que ser sinónimo de produto genérico de domingo à tarde, mas o seguinte pensamento inevitavelmente toldará qualquer crítica: pela primeira vez na história do cinema norte-americano, temos um filme mainstream lançado por um grande estúdio cujo protagonista e temática se prendem com a homossexualidade na adolescência. E a avaliar pela reação de um espectador na banca das pipocas após o visionamento do filme, continuamos a precisar deste “inédito”.

Simon (Nick Robinson, novo Ansel Elgort a caminho) é um típico adolescente, com uma família liberal q.b. (Jennifer Garner e Josh Duhamel, a fazer inveja aos pais de todo o mundo), uma irmã mais nova prodígio na cozinha. Só que tem um segredo por contar. É homossexual. Um dia, um blog de gossip revela que há um outro adolescente na escola (com o pseudónimo Blue) que se sente num remoinho pela sua orientação sexual diferente da norma. Ele também revela ao público ser um rapaz tipicamente normal, se judeu. E gay, claro. Simon, sob um outro pseudónimo, encontra ali então uma válvula de escape, e começa a trocar e-mails com o outro jovem, sem saberem cada um da identidade do outro. O mistério adensa-se, até termos o “dork” de serviço do liceu a começar a fazer chantagem com Simon, após descobrir esta troca de e-mails.

O cenário aparenta ser atual, e simultaneamente demonstra já traços de um passado recente – lembrar que o amor à distância de um e-mail chega precisamente 20 anos após o romance hetero You’ve Got Mail. E depois há o uso de um blog para revelar segredos chocantes, em vez de uma rede social. Mas o anacronismo não se fica por aqui, uma vez que será difícil, neste filme teen, não reparar na influência do falecido John Hughes – na banda sonora sintetizada omnipresente, ao serviço de grandes gestos sentimentais, o uso de secundários-arquétipo, que curiosamente se tornam mais queer (estranhos) que o quarteto/quinteto central maravilha: o reitor e o anti-herói que acaba por fazer chantagem com o protagonista. Greg Berlanti faz um trabalho competente na realização, mas é o final cor-de-rosinha que fará a divisão entre os que possam precisar ou não de um happy ending nas suas vidas. Encare-se ou não esta obra como complemento terapêutico: o profissionalismo da câmara tanto limpa as manchas mais cinzentas como é pautado por até um ou outro plano eficaz e minimamente inspirado. 

Podemos então concluir que este era o filme que o público LGBT desejaria ter tido na década de 80, quando a homossexualidade ainda não tinha sequer sido despatologizada, e já não podia aguentar mais o gay/lésbica psicopata, o gay/lésbica criminoso. Os protestos que decorreram nos lançamentos de filmes como Cruising (1980) e Instinto Fatal (1992) hoje parecem ridículos sob uma lente milenar perante a grandeza redescoberta destes dois filmes, mas fizeram sentido precisamente porque nunca houve alternativa, nem sequer um “rapaz conhece rapaz, rapaz perde rapaz, rapaz encontra refúgio na psicoterapeuta” para o mainstream.

O tempo irá muito provavelmente relegar Love, Simon a uma nota trivia de rodapé. Mas ainda bem que, em 2018 (!), possamos finalmente ter um filme de domingo à tarde para quem entretanto ainda sobrevive, um yang para o yin de 13 Reasons Why (com o qual partilha 2 atores) – mesmo que venha efetivamente uns 30 anos atrasado.

André Gonçalves

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