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«Deadpool 2» por Jorge Pereira

Em 2016, Deadpool abanou com engenho o cinema de super-heróis em tempos de domínio total das fórmulas militaristas, mas familiares, da Marvel/Disney e dos eternos perseguidores desse mercado, os apelidados “mais negros” DC/Warner. E Wade Wilson e o seu Deadpool não se limitaram a derrubar a quarta parede, como dissemos na nossa crítica [1] nessa altura, mas afincadamente surgiam como uma lufada de ar fresco na mudança do tom de um subgénero demasiado padronizado, visitando no processo com relativo sucesso o politicamente incorreto, o romper com o esquematismo e, acima de tudo, mantendo-se a léguas de quaisquer moralismos e manuais de educação de bolso com contornos telenovelescos.

Deadpool 2, que se entenda logo neste segundo parágrafo, é uma desilusão em quase toda a linha, não só porque (sobre)vive à sombra do primeiro filme, mas porque se vende a lugares comuns do drama de cordel e do filme de ação banal repleto de resoluções simplistas, todas tratadas no meio de uma descrença total (não interessa quem morre, há sempre uma solução) e personagens marcadas pela previsibilidade (as do primeiro filme repetem ações e tiques, as novas são pouco trabalhadas e conseguidas).

E é ainda mais triste perceber que o trabalho no marketing desta sequela foi infinitamente superior ao de escrita do seu argumento, um guião limitado abarrotado de soluções básicas. Pior, no meio da sua confiança arrogante que repetir a fórmula basta, o filme ainda cai no erro de acreditar que ao se auto-parodiar escapa à crítica ou ao escrutínio. Sim, Deadpool por diversas vezes usa a expressão “lazy writing” e tem razão. A metapiada funciona que nem uma luva, mas esta é uma verdade factual: a escrita desta continuação é mesmo preguiçosa e gozar consigo mesmo não a salva (nem nos faz esquecer) dessa fraqueza.

Ora, num filme que vive essencialmente de três vectores – comédia, ação e romance com pitadas de drama – só o primeiro realmente funciona, embora aqui também se sinta que não existe uma verdadeira continuidade, mas sketchs soltos (como os spots publicitários) que vão funcionando aqui e ali, sempre em torno de referências acidamente pop, com beliscões cinematográficos (Instinto Fatal, Logan2, Frozen, etc) musicais (George Michael/Wham, Bowie) e até escatológicos.

Quando passamos para a ação, esta demonstra-se profundamente rotineira, em especial porque “um dos gajos que fez o John Wick” substituiu Tim Miller e não conseguiu apresentar nada de verdadeiramente novo, a não ser a repetição, um bocejo de sequências que deveriam ser muito mais tensas ou inovadoras na fuga à presciência da fórmula.

Chegando então à vertente romance e principalmente ao drama, sem grandes soluções para lidar com o assunto através da comédia, o filme cai no verdadeiro exagero lamecha e dos moralistas de bolso “familiares” que já em Star Wars tentam encontrar explicações, soluções e salvamentos para os “Kylo Ren” e “Magneto” deste mundo. Assumindo como missão salvar um jovem das garras do mal e da justiça de carrascos (mesmo como paródia, não funciona), Deadpool entra numa verdadeira travessia pelo exagero dramático, do pretenso sentimentalismo e da psicologia estereotipada, a qual não só aborrece pela redundância e superficialidade, como afasta a perspetiva de puro entretenimento como um termo absoluto, retirando ainda a personalidade descomplexada que o primeiro filme tinha criado. 

Por tal, pela perda de alguma identidade e mera sobrevivência nas sombras delirantes do estilo de humor do primeiro filme, Deadpool 2 acaba por ser um retrocesso e uma oportunidade perdida naquele que provavelmente será o último filme fora do Universo Cinemático da Marvel.


Jorge Pereira