Christophe Honoré respondeu ao sucesso do permanentemente falso Moonlight com Plaire, aimer et courir vite, no qual a vitimização da homossexualidade é vingada pela perfeita naturalidade da representação. Antes de avançar no argumento, gostaria de dizer que este é um Honoré que não se via desde As Canções de Amor, um retorno à Paris romanticamente triste e aos amores de passagem.

Agora, voltando ao ponto inicial deste texto, o filme remete-nos aos meados dos anos 90 (num Cinema vemos o cartaz de O Piano, o qual nos envia automaticamente para o seu contexto temporal), à expansão do HIV, às lutas frenéticas do Act Up (120 BPM outra vez!? Calma), mas sobretudo ao secretismo da homossexualidade, às capas sociais e até aos romances às escondidas numa esquina. Elementos que avançam para uma espécie de world building queer, com Honoré a evitar qualquer queerness (ofensa é cedermos a esse rótulo) e fugindo a sete pés dos enésimos contos de armário (não se trata de coming-of-age in loco), e sobretudo esquecendo a vitimização, a maldição de ser gay que o oscarizado filme de Barry Jenkins lhe transmitia.

Plaire, aimer et courir viteé um retrato amoroso, é o quotidiano da homossexualidade transportado para a normalidade. Eles vivem, morrem, amam, odeiam, riem, choram. Por palavras mais concretas, são humanos. E são escassos os filmes desta temática e desta magnitude que possuem um retrato tão humanista. Foi uma sincera resposta e pontuada com bom humor.

Todo este universo é reconhecível; entre as “caras conhecidas” temos Pierre Deladonchamps, a passos de se tornar num ícone deste cinema de nichos (lá estamos nós a inserir as malditas etiquetas), um homem que desempenha um escritor quarentão que deambula por Paris (e não só) em busca de uma oportunidade de amar, diversas vezes bem próximo da simples escapadinha sexual (“O sexo não é menos nobre que os sentimentos, é o mesmo”).

A escolha de Deladonchamps como protagonista não é vão, há sombras de O Desconhecido do Lago aqui, o filme de Alain Guiraudie metamorfoseia. O refúgio das paixões sob consumo, o lago de um, encontra-se replicado nesta “selva de asfalto”, o jardim proibido que secretamente “entramos”, as esquinas escuras como os cinemas que também servem de “santuário” e, por fim, os quartos de hotel marginalizados. Contudo, se existe esconderijo em cada canto, sublinhamos que toda esta ocultação não ostenta o lado sombrio da discriminação. Estas personagens não questionam a sua sexualidade, a existência amorosa, são namorados, pais, filhos, amigos, vizinhos, seres de carne e osso com opção, e a decisão está tomada.

Todavia, não esperem que Plaire, aimer et courir viteé seja somente valorizado pela sua representação. Christophe Honoré preenche-o como um filme caloroso, cuidado e refletivo, elementos que de certa forma moviam Truffaut (em homenagem) ao longo da sua filmografia (só que ao invés do Homem que Gostava das Mulheres, eis o Homem que Gostava dos Homens). Diria que é um filme de mudanças, assim como fora o anterior 120 BPM (lá está ele outra vez!), só que neste caso a luta é silenciosa, mas nem por isso menos digna.

(texto originalmente escrito em 11 de maio de 2018)