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“Drvo” (A Árvore): os horrores de longe, a devastação de perto

Sempre teremos Sarajevo: por mais longe que esteja, estará situada nas nossas mentes, não a cidade sob um contexto geográfico, mas o que este agora “não-lugar” representa. O cinema adquiriu a sua maturidade pós-Segunda Guerra no lidar com cenários-símbolos, entre as mais agravantes Auschwitz. Como transcrevê-lo em imagens ou melhor, com que imagens devemos descreve-lo? Ao leitor, entenda-se, que isto não se trata de uma comparação entre o mais “infame” dos Campos de Concentração (o infame encontra-se sob aspas como se fosse possível catalogá-los em popularidades) e Sarajevo, a cidade-fantasma, povoada mas eternamente assombrada.

O que está em causa é o como podemos pronunciar lugares de um jeito quase metaforizado e, ao mesmo tempo, percebendo o seu contexto; mais que uma imagem, um nome, uma cidade que nos transporta para as vastidões dos seus simbolismos. Com isto, garantimos que Sarajevo é automaticamente Guerra, é destruição negligenciada pelo resto do Mundo, mudo, cego e surdo perante tais atrocidades (não importa qual lado, tudo é atrocidade). Poderia soar Dolores O’Riordan e a sua banda The Cranberries sob os acordes violentos de Zombie, bem verdade, Sarajevo existe na nossa mente (“In your head”, como cantarola a artista na referida música).

Segundo André Gil Mata em relação a este seu novo filme, Drvo: A Árvore, a ideia nasceu de uma imagem, uma árvore e um menino. O signo da prosperidade [a árvore] e o futuro [o menino] idealizados em Sarajevo. A cidade vista por olhos de um estrangeiro, mas o que Gil Mata capta não é um recorte turístico ou a reconstituição de quem vem de fora, mas a cidade imaginária, aquela captada pela ideia. A ideia anexada pelo Cinema ou, diríamos antes, apoderada. Assim sendo, o filme constrói-se por essa cidade-fantasmagórica agora convertida num não-lugar, um identificável, porém, não sendo um vinculo direto à perceção de Sarajevo.

Composto por duas dezenas de planos-sequência que se arrastam no ecrã por um silenciosa eternidade (minimalista, portanto), Drvo tem o feito de cercar o espectador numa tremenda rotina em ruínas – um ancião que percorre o seu vilarejo fantasma com um dever de subsistência, de longe ouve-se estrondos, uma guerra vizinha, um inimigo invisível que mesmo assim provoca o pânico para quem os ouve. No centro da rotina, uma criança, órfã de Guerra, apavorada pela marcha iminente dos fascistas (o próprio os caracteriza como tal), e cujo seu destino cruzará com o velho, que na altura atravessa o rio, “mergulhado” pela escuridão e o emudecimento.

Gil Mata aprendeu com Béla Tarr (orientador do curso do FilmFactory), a filmar sob motivação e não a subjugar-se ao dever … E, sobretudo não recear do tempo, este esculpido, reproduzido quase na sua exatidão (se não é fiel, é sensorialmente idêntico). Sim, a paciência, virtude perdida nos espectadores ocasionais, é recompensada com uma imersão técnica que nos faz refém a uma metáfora arquitetada, construída como um universo à parte. Mas é Sarajevo que imaginamos, e como espectadores, sentimos a sua amargura.

Drvo é sobretudo um filme de cinema (heresia da nossa parte estas últimas palavras, quase sugerindo que há filmes a não ser vistos em sala de cinema), um filme para se sentir no grande ecrã e contemplarmos com sua verdadeira função de materialização. Gil Mata cria um quadro e chama através de imagens a nossa Sarajevo. Portento visual.