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«The Death of Stalin» (A Morte de Estaline) por André Gonçalves

 

Eu posso até não ser a pessoa mais qualificada para apreciar A Morte de Estaline, e suspeito que ninguém será mais que o escocês Armando Iannucci (que chegou até a chamar a atenção da Academia de Hollywood pelo seu argumento de In the Loop). De facto, é difícil encontrar outra obra nos últimos tempos que se mostre visivelmente tão enamorada de si mesma, e do seu pretenso bom humor. 

Sinto que há sempre algo no humor político em modo longa-metragem que se torna inevitavelmente demasiado básico – como se fosse preciso descascar algo que na sua base “natural”, já é por si cómico. Sketches políticos gosto bastante, o problema é aturar 100 minutos da mesma piada a ser repetida de várias maneiras, e a perder inevitavelmente o seu efeito. Por isso, nem sequer a obra-prima de Stanley Kubrick Dr. Strangelove me fascina por aí além. Certamente, se tivesse aqui o endereço de correio à mão, teria uma chuva de cartas a denegrirem-me, a chamarem-me de parolo, de inculto. Porque lá está, a noção de apreciar humor político está intrinsecamente ligada à noção de ser alguém bastante culto, a par da atualidade ou da história, consoante a época que se retrata.   

O cinema não deve obrigatoriamente informar o espectador sobre o fundo histórico onde se insere a sua narrativa, é certo. Mas A Morte de Estaline não requer só um nível de conhecimento histórico, para quem recebe a piada – embora esta se possa perder em cenas-chave se não houver o mínimo conhecimento dos meandros políticos. O problema central com A Morte de Estaline é acima de tudo um problema narrativo, no qual há aqui um sacrifício de todo um leque de personagens em prol da procura incessante pela punch line. Claro que há também nesta “fantochização” constante das suas personagens um efeito conscientemente (?) perverso de fazer cumprir no fundo a sua linha orientadora cómica aqui: que todos os jogos políticos não passam de uma fantochada, quer numa ditadura genocida quer numa aparente democracia. Só que trabalha para o cansaço de quem possa ousar querer um maior controlo sobre a história que nos conta: como se estivessemos a assistir a um sketch de tributo aos Monty Python que tinha abusado da sua estadia. E esta referência ao grupo de comédia britânica mais famoso não é de todo inusitada – é bem consciente, dado que um dos seus membros originais (Michael Palin) acaba por fazer aqui uma perninha, no meio de um leque de atores bem reconhecíveis, mesmo quando estão ligeiramente disfarçados. 

Claro que há um outro elefante na sala para endereçar, um mais relacionado com o perfecciosismo histórico: o facto desta encenação ser feita com atores britânicos ao invés de terem caçado comediantes russos. Nesse aspecto, tomo o lugar de defesa de Iannucci: o próprio mundo lá fora explica tal decisão, dado que a Rússia foi um dos países a banir este filme, e com os potenciais desaparecimentos de pessoas por lá, imagino que nenhum ator russo quisesse arriscar a sua pele a entrar aqui, ou não fosse inserido numa lista para abater… 

Por outro lado, perante uma reconstituição de época impressionante nos cenários, não aparenta haver o mínimo interesse de A Morte de Estaline servir como documento histórico, mas sim como o tal sketch alongado de 100 minutos. O consenso é tramado, como uma das sequências mais cómicas do filme demonstra. Sendo assim, ponho a minha mão no ar em jeito de aprovação em último lugar, já completamente pressionado pelos meus pares, sob o risco de estar a trair a pátria de quem tem em Iannucci um líder incontestável da comédia contemporânea; mas preciso também que o leitor saiba que, se não vir problema nesta lista que enunciei, terá certamente aqui um dos seus filmes favoritos do ano. 

 

André Gonçalves