Sexta-feira, 29 Março

«Manifesto» por André Gonçalves

Julian Rosefeldt sentiu a obrigação de abrir esta sinfonia a 13 vozes em 12 segmentos com o significado do signo aqui sempre presente: Manifesto, substantivo, uma “declaração pública de políticas e metas por parte de um partido, grupo ou indivíduo“. E ao longo da hora e meia seguinte, ouviremos Cate Blanchett a multiplicar-se em 13 papéis a recitar alguns textos bem pesados sobre o poder da arte, e sobre a política que esta inevitavelmente abarca. 

Claro que, encaixotado nos manifestos aqui presentes, e que vão desde o Manifesto Comunista ao Dogma ’95, está também implícito um manifesto pessoal do criador deste trabalho de investigação intelectual assumidamente copy-paste, não original, porque devemos efetivamente esquecer a originalidade na arte. Consciente pelo menos da sua não singularidade, o filme torna-se ainda assim, ironicamente, tão autocontido como o que muitos dos textos que cita se rebelam contra: não propriamente um vazio insular, por assim dizer, mas a sua arte conceptual reflete aqui um outro lado da moeda. “A arte conceptual é boa apenas quando a ideia é boa“. E quando a ideia é boa mas o conceito em si se traduz em pouco mais do que poderia ser lido? Onde fica a arte?

Este autodiálogo temático sobre o papel da arte, juntamente com um genérico anárquico a misturar nomes dos autores dos textos aqui recitados e palavras-chave, lembra Godard, e nem de propósito, esta influência torna-se ainda mais assumida de forma ainda mais explícita na citação “não de é onde tiramos as coisas que interessa, é onde as levamos“. O trabalho herculeano de juntar todos os textos fonte e condensá-los num todo que vai comunicando entre si não deve ser menosprezado. Rosefeldt efetivamente estudou a lição, pegou numa boa ideia, juntou peças, mas cometeu um dos pecados mortais do artista: ao não levar estes textos muito mais além do efeito que estes atingiriam no formato original, com a excepção notável da incorporação do manifesto Dogma e de umas passagens de planos interessantes, o trabalho todo aqui presente, arrisca aborrecer o espectador, e a levá-lo a menosprezar efetivamente o esforço.  

Num aspecto ninguém deverá ter dúvidas: Blanchett foi obviamente a melhor escolha para servir de corpo (ou marioneta) a tantos espíritos, por vezes contraditórios: em boa verdade, soubemos a partir do momento que a vimos travestida de Bob Dylan, que não há limites para a sua arte. A atriz confere pelo menos identidade a cada uma destas vozes, uma identidade que, num segmento em particular, com a jornalista e a repórter, assume uma piscadela para o espectador que instintivamente passa a confundir intérprete com personagens, pela comunhão desta com estes pelo nome próprio. Dito isto, o seu esforço notório, junto com o trabalho notório de bastidores do outro artista principal, não chega para disfarçar a frustração global e a exaustão no final do visionamento. 

André Gonçalves 

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