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«Marvin ou la belle éducation» (Marvin) por Hugo Gomes

Até que ponto Marvin não será uma mera raiz quadrada da temática coming-to-age queer, na qual somos presenteados com a panóplia possível, desde o bullying até a famílias disfuncionais (e caindo no português “correto”, bestas), alcançado a sua autodescoberta e por fim a libertação, espiritual e sexual. Inspirado na obra autobiográfica Acabar com Eddy Bellegueule (En finir avec Eddy Bellegueule), escrita por Édouard Louis, este novo trabalho de Anne Fontaine [1] (Two Mothers [2], Coco Avant Chanel e Agnus Dei [3]) ostenta, em similaridade com o seu protagonista, uma atitude de introspeção dos valores, vasculhando um filme sólido nestas tendências fragmentadas.

É como, novamente caindo em alusões, a sequência em que Marvin, a personagem-título interpretada por Finnegan Oldfield, após ter conquistado o seu “holofote”, revisita o seu pai que poucas memórias e afeto lhe trouxeram. A caminho deste reencontro, o protagonista traz consigo o livro da sua autoria e ao preparar-se para escrever uma dedicatória sincera e cheia de compaixão, este hesita, pois as palavras não correspondem aos seus sentimentos. A hipocrisia, a capa que o cobriu anos a fio, impedindo-o de descobrir o seu verdadeiro “eu”, não mora mais neste agora ser convicto.

Ao invés do livro autografado e dedicado, a desculpa foi uma mentira “deixei o livro no comboio”, de forma a evitar, duas uma, a dita falsidade nada correspondente às suas vivências, ou o confronto necessário dessa verdade sentida. São essas palavras não ditas, escritas ou expressadas que este Marvin (filme) vive, por entre rasgos, ocultações e sobretudo o esforço de evitar a narrativa linear, elementos que o constrói como uma obra de frases soltas, incoerente nos seus valores e indisposto em transgredir as fronteiras da já revista fórmula.

O projeto bem poderia desabar não fossem dois pilares que tentam a todo o custo erguê-lo, como Atlas da mitologia que nem sob o cansaço do Mundo cede. Essas duas forças são Vincent Macaigne, que proclama uma melodia de paixões na libertação do ser, e discursa a certo ponto as ditas diferenças étnicas e sexuais, ambas colidindo com a discriminação. E Isabelle Huppert, a coprotagonizar o momento chave, inerente e identitário desta obra.

O “teatro filmado” a converter-se no resumo existencialista de um filme que não conseguiu superar as suas estabelecidas barreiras.

 

Hugo Gomes