No cinema português existem vários pecados; os autores passivos que esperam pelo financiamento fácil, os realizadores convertidos à industria e com isso uma evidente perda de identidade cinematográfica e no caso de Luís Diogo uma recusa pelo legado da nossa cinematografia em prol de uma folha de rascunho.

Não é ao acaso a utilização da palavra pecado aqui, Luís Diogo para além de ter na consciência a maldição que foi o argumento de A Bomba, de Leonel Vieira (aquela obra que se tornou num assombrado “mito urbano”), experimentou a realização-a-solo e sob autodidatismo empreendedor (dou graças a isso) com Pecado Fatal, onde cometeu o seu primeiro grande erro – uma promoção sobretudo ignorante (“um filme para quem não gosta de cinema português”) – tendo resultado num produto amador aos mais diferentes níveis. Mas apesar do equivoco, um realizador não se faz de um filme apenas, sendo que é com algum entusiasmo que sigo em frente para uma segunda longa da sua autoria, com a esperança de assistir aperfeiçoamento e sim … redenção.

Mas é com tristeza que saio deste Uma Vida Sublime, até porque Luís Diogo demonstra alguma ocasionalidade nas suas ideias (basta recordar o seu contributo no Gelo, do pai e filho Galvão-Teles). Todavia, aquilo que acabo de presenciar é uma falta de talento e de garra em conduzir um filme para o seu propósito de Cinema. Existe uma cena em particular que demonstra exatamente isso: um plano conjunto onde uma família reúne para consumir a sua refeição matinal. Aqui encontram-se concentradas várias ações distribuídas por quatro personagens, cada uma delas operando por si próprias mas com um foco principal no cansaço do casal (pai e mãe), tendo como representação um episódio envolvendo uma “taça de cereais”. Existe muita informação aqui, o propósito desta mesma cena é evidente e nisso estamos de acordo com a visão do realizador, porém, algo de errado se passa. O plano não obtém a profundidade necessária, a câmara é incapaz disso e a ação principal, que poderia manipular a nossa atenção com um cuidado quase “velasqueano” (o segundo plano jogado como o primeiro), é simplificado à mão de semear pelo espectador deixando o resto da ação (o pedinchar de um telemóvel por uma das filhas do casal) num total desaproveitamento.

A nível técnico estamos esclarecidos, passemos agora para o interpretativo e nesse termo confrontamos com uma agravante. Luís Diogo é incapaz de se comportar como um diretor de atores, é insciente a captar e incentivar nos seus colaboradores desempenhos verdadeiramente convincentes, e a cena referida anteriormente é contagiada por esse mesmo mal. Esse, que nos leva a outro – os diálogos – a somente ponta do iceberg para a escrita do filme. Se deparamos uma ideia ou outra inserida com convicção, no seu todo somos atingidos por um argumento costurado com tiques e manias dos “rodriguinhos” do género de terror (um Saw à Portuguesa, resumidamente), onde não faltam pseudofilosofias de autoajuda como moralismos quase propagandisticos e ditatoriais. Ainda temos os diversos absurdos, mas não vale ser drama queen nesse sentido.

Sim, Uma Vida Sublime é um objeto longe da sublimidade prometida, a milhas da perfeição o qual esperava ser colhido e sobretudo do dito ativismo contra o Cinema Português no geral (hipocrisia, visto que Luís Diogo pertence a essa “comunidade”, quer queira, quer não) que estes filmes tendem em evidenciar. Está uns quantos “passos” acima de Pecado Fatal, mas sem grande efeito e significância.