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«Handia» por Jorge Pereira

O filme mais nomeado este ano aos Goya é uma incursão tecnicamente irrepreensível, sempre delicada e em diversos momentos emocionante para contar a história do Gigante de Alzo, um homem que se torna um objeto circense digno de romaria, “criado” para ajudar a família a sair das dificuldades, isto numa época em que instabilidade política entre carlistas e liberais levou a conflitos armados e maiores dificuldades e tragédias para a vida campesina espanhola.

Afundando-se no País Basco profundo e colocando em conflito vários elementos, como os já citados ideais políticos, o campo e a cidade, o tradicional e o moderno, Handia prima pelo seu foco na desconstrução de personagens que apesar de estarem frequentemente acompanhadas ao longo do seu trajeto, acabam por viver um vida plena de solidão. As próprias personagens, na figura de dois irmãos, acabam por representar de certa forma as duas Espanhas existentes. Um quer ir para a América, sair da quinta, deixar as tradições, e o outro não quer mudar, prefere o campo e a religião.

Apresentado por capítulos, o primeiro foca-se em Martin, um homem com ambições de partir para a América que é levado à força para combater pelos carlistas. Ferido numa mão, é já a partir do segundo tomo que Martin e o filme ganham contornos de road movie, pois acompanhado pelo gigante Joaquin, ambos vão usar a doença como forma de ultrapassarem a pobreza e as limitações que a sua vida campestre oferece.

Para mostrar isso tudo, o duo de realizadores, Jon Garaño e Aitor Arregi, do belíssimo Loreak [1], usa os recursos técnicos de forma particularmente fascinante e imaculada, onde o trabalho de luz, o uso das cores e a cenografia tanto celebram o realismo da interioridade basca, a sua geografia e clima, como o tom mágico, fabulista e espiritual que esse mesmo local oferece. Em qualquer dos casos há sempre um elemento em comum. Com uma meticulosa mas por vezes demasiado artificial découpage, onde cada plano e cena parece estudada ao pormenor, temos assim uma abordagem na confrontação do real e o mitológico, os factos e as lendas, o tradicional e o moderno, que só peca pela romantização excessiva do objeto apresentado.

Uma nota para o trabalho dos atores, com Eneko Sagardoy a brilhar como o gigante solitário e Joseba Usabiaga no papel de Martin, um homem com os sonhos desfeitos após a guerra. O duo flui a química fraternal em toda a sua extensão, nunca caindo em facilitismos narrativos para provocar o conflito dramático que o filme pede. E embora perca força algures entre o 3º e 4 capítulo, Handia é um dos bons exemplos do cinema espanhol contemporâneo que sem nunca cair na genialidade, apresenta uma história tocante com sugestivas pontas soltas capazes de nos instigaram saber mais sobre as suas personagens.


Jorge Pereira