Terça-feira, 19 Março

«Newness» por André Gonçalves

 

Vivemos numa era de infinitas possibilidades, dizem-nos. No que toca a encontrar alguém que nos satisfaça, então, deixou de ser preciso de se sair de casa, para buscar um catálogo de avatares disposto a trocar conversa, imagens, localização, e sexo – virtual ou físico. Paradoxalmente, este excesso de oferta, este excesso de promessas de “intimidade” conduziu a uma crise do romantismo clássico – i.e. aquele vivido sobretudo no último século e meio, alimentado obviamente pela própria (sétima) arte: quando o amor está à distância de um movimento de polegar no telemóvel, para quê aguentar o aborrecimento ou o mínimo desentendimento de uma relação monogâmica dita tradicional?  

O realizador norte-americano Drake Doremus, graduado pela escola de Sundance, parece disposto a fazer carreira a cronicar vidas de casais jovens millennials. Começou por relatar uma primeira relação romântica tragicamente posta à distância que aparentava ir buscar ao seu próprio passado (Like Crazy), para depois evoluir para um futuro onde a demonstração de amor é proibida (Equals). Neste seu último Newness, não é que o amor seja proibido per se, mas este presente, que é claramente o nosso, não saberá já bem sequer distinguir o que possa isso ser a longo prazo. Os corpos deambulam pela grande cidade, em encontros consecutivos ao longo de uma noite, para depois voltarem às apps e retomarem a rotina nos dias seguintes.

O objetivo passa por distrair a atenção, e nunca tivemos a nossa atenção tão dispersa – se há algo para classificar este novo século pós-redes sociais é “crise de atenção”. Parece ser esse o calcanhar de Gabi, uma jovem de raízes espanholas que vive pela excitação da novidade; um dia, encontra Martin, um outro jovem, entretanto já divorciado de um casamento curto. O plano inicial acaba por ser uma noite de convívio, longe do sexo rápido que ambos estão acostumados. Eventualmente, Martin convida-a para casa, e, no espaço de uns quantos encontros, oferece-lhe a chave para viver lá. Um romance típico parece florescer, que parece selado quando ambos decidem desinstalar a app de engate ao mesmo tempo, mas claro, não será tão fácil… 

Nos papéis deste casal estão Nicholas Hault (que já tinha sido o protagonista de Equals) e Laia Costa (Victoria), dotados de uma forte química no ecrã, e capazes de fazer valer os destinos por vezes questionáveis das suas personagens. Só por eles, valeu o investimento. Já Doremus, almeja claramente fazer aqui um filme que defina o “zeitgeist“, um “Sexo, Mentiras e Tinder” por assim dizer (onde não falta até uma banda sonora minimalista/ambiente, com um tema proeminente), mas sai longe da marca seminal do filme de Soderbergh, que basicamente foi o pai do género “Sundance” (e portanto, o seu pai espiritual). Falta-lhe síntese, e um maior/melhor propósito – o filme dura duas horas, e mesmo assim, sentimos que a melhor exploração ficou na primeira metade, quando efetivamente, sob uma montagem ambígua, se hiperativa, o filme se torna um retrato fiel deste tempo frenético e frágil, e dos nossos comportamentos repetitivos e sem especificidade, simplesmente em busca de algo que nos faça temporariamente menos sozinhos (o copy paste de mensagens como “O que vais fazer esta noite” é particularmente emblemático).

Efetivamente, há decisões demasiado previsíveis também. O final, aparentemente otimista, questiona acima de tudo como é que um casal que sempre se aborreceu a partir do segundo ato desta película, vai continuar a aguentar-se. É certo que acabei por aguentar bem um filme que também me aborreceu aqui e ali após essa marca. Dito isto, haverá melhores possibilidades ao virar da esquina, espera-se.   


André Gonçalves   

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