Terça-feira, 19 Março

«The 15:17 to Paris» (15:17 Destino Paris) por Jorge Pereira

 

Numa entrevista recente, Oliver Stone questionava o estatuto de “prolífico” do cineasta Clint Eastwood, o qual todos os anos faz um filme. Oliver, provocador por excelência, e claramente um homem “à esquerda” no mapa político norte-americano, dizia que ele conseguia fazer essa façanha porque os seus trabalhos são propaganda pró-americana e militarista, o que facilita a busca de financiamento ou de um estúdio para o fazer.

Pegando neste 15:17 Destino Paris, um filme do octogenário sobre três amigos americanos (Spencer Stone, Anthony Sadler e Alek Skarlatos) que conseguiram impedir um ataque terrorista num comboio que seguia de Bruxelas para Paris, é fácil encontrar a tal propaganda, aqui presente desde o início no culto do armamento, naquilo que parece ser um longo anúncio de promoção à NRA (National Rifle Association), onde só falta o autocolante “guns don’t kill people, people kill people”. E há também outros cultos: o de Deus, “muito mais forte que as estatísticas“, lá diz a mãe de Stone à professora de um dos miúdos que se queixava que ele tinha déficit de atenção, e o da criação de figuras heróicas marcadas por percursos que contrariam essa tendência.

Na verdade, este 15:17 Destino Paris alinha-se bastante bem com os mais recentes filmes do realizador, Sniper Americano e Sully; o de homens moldados pela vida que a América lhes oferece, destinados a atos de bravura mas repletos de vidas trágicas, sempre examinados pelo seu passado, onde não faltam elementos que indicam tendências na sua construção pessoal. Uma cena da infância destes heróis, em que brincam com armas de airsoft com a maior naturalidade possível, podia ser o início de qualquer filme que acaba com tiroteios numa Columbine. Mas não, Eastwood teoriza a criação de heróis envolvidos em conflitos pessoais permanentes, usado como grande truque, gimnica ou novidade, o usar os próprios heróis como atores, criando assim um registo na linha do docudrama que procura o realismo.

Indo ao passado deles – desde os tempos da escola – para explicar a sua evolução até aquela situação, tudo visto como uma espécie de destino, Eastwood aplica uma espécie de “Swing Away” Shyamaliano com a benção do Tio Sam. Esse fado das coisas acontecerem por uma razão, não só sublinha como acentua o estatuto heróico de homens através da nação (Deus, armas, Cristianismo), com mensagens claras de como eles foram aos poucos encontrando-se a si mesmo, mostrando também como a vida militar acabou por preencher as suas vidas, culminando com a elaboração do derradeiro ato de valentia, não só na travagem do terrorista, mas no salvamento de um passageiro baleado.

Para além da “venda de banha da cobra” cultural e ideológico, o grande problema aqui – para além de um intenso tédio quando se passa da infância dos miúdos para a sua vida militar e a visita turística à Europa – é que parece que o filme tem muito pouco a dizer ou mostrar. Até a própria sequência no comboio – que dura uns 10 minutos – não tem qualquer tensão ou verdadeiro dramatismo, resumindo-se a uma mera reencenação. Já na forma do revisitar dramático das vidas das três personagens – antes do grande evento – tudo aparenta ter sidoselecionado para o cineasta provar a sua teoria, que também é a do protagonista.

É estranho dizer isto, mas o veterano Eastwood acaba por cair no erro de muitos cineastas novatos: o de enfiar curtas-metragens em longas, preenchendo os buracos com elementos muito pouco interessantes, quer em termos de história, quer nos diálogos (corriqueiros) e artifícios cinematográficos. E embora seja de alguma forma refrescante ver o realizador usar um certo experimentalismo nesta fase da sua carreira (os heróis a interpretarem-se a si mesmos), tudo acaba por se revelar muito mais interessante em teoria do que na prática. 


Jorge Pereira

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