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«Alias María» por Aníbal Santiago

A fotografia dessaturada de Sergio Iván Castaño permite realçar a crueza e a desesperança que percorrem o enredo de Alias María, um drama onde as tonalidades verdes e castanhas predominam, embora estejam longe de simbolizar esperança ou estabilidade. O enredo coloca-nos diante do conflito armado na Colômbia a partir da perspetiva de María (Karen Torres), uma guerrilheira de treze anos de idade que conserva no seu rosto a inocência da juventude, embora tenha de viver praticamente como uma adulta e lidar com situações extremamente delicadas. O seu rosto exibe uma certa melancolia, própria de alguém que perdeu a infância e foi obrigado a quebrar etapas em direção à idade adulta, com o olhar de Karen Torres a ser essencial para transmitir as emoções da protagonista ou não estivéssemos perante uma pré-adolescente pouco faladora, que apresenta uma mescla de maturidade e inexperiência.

A arma que carrega às costas surge quase como uma extensão do seu corpo, algo exacerbador da violência que percorre o seu dia-a-dia, enquanto a farda retira-lhe alguma da sua individualidade e exprime as características militares do grupo do qual faz parte. São poucos os momentos em que encontramos María a fazer com que a sua voz seja ouvida ou a expor os seus sentimentos junto daqueles que a rodeiam. Esta foi formatada para obedecer às ordens dos seus superiores, embora esconda que se encontra grávida de Mauricio (Carlos Clavijo), um guerrilheiro algo frio, duro e impetuoso, com quem mantém um caso. Com exceção de Diana (Lola Lagos), a companheira do Comandante (Fabio Velazco), todas as guerrilheiras estão proibidas de ter filhos, algo que coloca em evidência uma das muitas incoerências entre os valores defendidos por estes elementos e os seus atos.

Este é um meio marcado por regras e hierarquias muito próprias, no qual a individualidade submete-se regularmente ao coletivo, com a metáfora das formigas a não surgir por acaso em diversas situações do enredo. O realizador José Luis Rugeles usa e abusa dessa metáfora, embora este paralelismo tenha alguma pertinência, sobretudo a partir do momento em que Maria, Mauricio, Byron (Anderson Gomez) e Yuldor (Erik Ruiz) são incumbidos de transportar o filho recém-nascido do Comandante para uma cidade vizinha. A missão leva o quarteto a embrenhar-se pela selva, com o notável trabalho de sonoplastia a realçar o som das folhas que se quebram ao avançar dos passos dos personagens ao mesmo tempo que sublinha os ruídos que os envolvem e as características simultaneamente belas e inóspitas deste cenário. Diga-se que esta tarefa surge ainda como um meio para Rugeles focar as suas atenções num número mais reduzido de personagens e desenvolver tenuemente alguns traços das suas personalidades e explorar as suas dinâmicas.

Por cada momento de acalmia temos outros em que somos recordados da brutalidade que pontua o quotidiano destes personagens e os seus atos. Note-se quando encontramos Mauricio a eliminar um companheiro de forma impiedosa, ou o momento em que a protagonista depara-se com um conjunto de corpos enforcados. O pessimismo, a crueza e a inquietação pontuam uma boa parte do enredo, embora  esteja longe de exibir uma realidade unidimensional, sobretudo no que diz respeito à massa humana que compõe este grupo de guerrilheiros. O meio patriarcal e desumano em que são educados influência e muito os seus comportamentos, mas a sensibilidade de alguns destes elementos é praticamente inegável. A brutalidade e a violência também estão lá, bem como os efeitos nefastos deste conflito armado, expostos quer de forma bastante direta quer subtil.

Rugeles evita descair para o melodrama ou utilizar diálogos expositivos para disparar informação sobre o contexto. O cineasta prefere antes deixar que os rostos dos personagens e dos intérpretes falem com o espectador, sobretudo María, embora a espaços fiquemos com a sensação de que o filme sairia beneficiado com a inclusão de mais informação sobre o conflito. Parte dos elementos mais jovens do elenco foram selecionados exatamente em zonas onde os grupos guerrilheiros capturam as crianças-soldados, com os intérpretes a contribuírem para a sensação de que estamos a observar situações bem reais, algo que é adensado pelo estilo documental com que Rugeles filma esta obra cinematográfica. Embora chegue a Portugal quase três anos depois de ter estreado na Colômbia, Alias María ainda surge bem a tempo de fazer boa figura ou não estivéssemos perante um drama digno de atenção e reflexão.


Aníbal Santiago