Pelos vistos, nem todo o dinheiro do Mundo poderia reparar este filme! Visto inicialmente como um veiculo de Kevin Spacey para os prémios de temporada, All the Money in the World viu-se condenado a apagar a sua estrela após as acusações de assédio terem prejudicado, provavelmente até a nossa memória resistir, a carreira do celebrizado ator de American Beauty (Beleza Americana). Spacey tornou-se num veneno, sendo que o seu afastamento seria a melhor das hipóteses, mas existia um problema, o filme estava completo, rodado, até editado e com uma data de estreia bastante próxima. Solução, ao invés de “afastar” surge o “apagar”, e como substituto, Christopher Plummer entra em cena e reproduz o show com toda a emergência.

Trabalhos de manipulação ali, retoques acolá e voilá, eis a nova versão de All the Money in the World de forma a não ofender ninguém. Se esta história funcionou como publicidade a um filme matreiro vindo de um realizador convertido em tarefeiro, que é o que atualmente Ridley Scott demonstra ser, é bem verdade que este meta-filme seria de todo proveitoso para a própria caracterização de  Jean Paul Getty.

O conhecido imperador do petróleo que foi uma das figuras-chave para o rapto mais mediático do século XX, a do seu neto John Paul Getty III, e a juntar a isso, as tentativas de Gail Harris (mãe de John Paul) de convencer o bilionário a pagar o excessivo resgate, tarefa dificultada devido à sua desprezível natureza. Noutro universo, este seria um ponto que encontraria outra dimensão se Kevin Spacey se mantivesse no produto final, uma repudia que tenderia a ser transportada para outra “carcaça”, com Getty a transformar-se numa figura anti-heroica graças a essas ocorrências meta fílmicas.  Mas os estúdios não têm todo o dinheiro do mundo e o “pouco” deste fala mais alto, por isso, é o que vemos.

Desviando-me de controversas e manobras radicais, All the Money in the World é um thriller corriqueiro atravessado por uma crise, não de meia-idade, mas em conhecer e atingir o seu objetivo. Ora é uma biografia apressada de forma a colocar o espectador no trilho das suas personagens – quem é Getty? – na pedagogia à lá Wikipédia toma espaço na narrativa para não induzir desconhecimentos, ora é um conto arraçado de policial que reduz todos os seus elementos a estereótipos a lugares-comuns, para no final traçar um moralismo fácil, manifestando uma hipocrita tendência de anti-capitalização. Estamos perante um “bebedor”, não de referências, mas de truques “chico-espertos” do mais vulgar espectáculo hollywoodiano.

Por fim, chega o “toque de Midas”. All the Money in the World é embalado sob um brilho de latão que o disfarça como produto de requinte (mas no fundo há pouco deslumbre técnico aqui ou um plano que verdadeiramente destaque de tudo o resto). Aqui, nem o elenco ajuda a tamanha tarefa, cada um envolvido nos seus bonecos de cartão sem desafios interpretativos (Michelle Williams e Mark Wahlberg a serem iguais a eles mesmos) ou castings no mínimo estranhos (o francês Romain Duris a interpretar um italiano da Calábria!).

Sim, Ridley Scott conduz o seu filme mais encarcerado desde The Martian (Perdido em Marte), manifestando um apetite por enredos promissores para mais tarde transformar tudo em filmes recicláveis e esclavagistas à vontade do freguês (se não fosse este rumo entrar em paralelismo com os seus cargos como produtor). É um Scott refém da ditadura dos estúdios e do box-office, e não o “velho” Scott que buscava o seu “eu” autoral antes da década de 1990. É bem verdade que cansado e derrotado pela fadiga industrial, volta-se para quimeras como estas, nos quais os milhões não conseguem salvá-lo da homogeneidade imperativa de hoje.  

Pontuação Geral
Hugo Gomes
all-the-money-in-the-world-todo-o-dinheiro-no-mundo-por-hugo-gomesRidley Scott conduz o seu filme mais encarcerado desde The Martian (Perdido em Marte)