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A Linha Fantasma: o cinema pelas costuras de Paul Thomas Anderson

Paul Thomas Anderson, assim como James Gray, integram uma geração de realizadores que formam uma nova fasquia autoral em Hollywood. Possivelmente, os seus trabalhos são encarados como eventos cinematográficos, induzindo e seduzindo o espectador numa prolongada mescla de referências. É certo que nada de novo nasce nestes dois nomes, nem eles têm a ambição de “queimar livros”, ou de forjar novas direções da sua cinefilia.

Nesse sentido, Paul Thomas Anderson destaca-se de Gray pela sua passivo-agressividade, a sua relação de Cinema que consegue ser mais dimensional e pouco romântica que o referido realizador de We Own The Night. Poderá ser heresia da minha parte a seguinte afirmação, mas PTA (carinhosamente siglado) rompe as próprias limitações de Gray, sobretudo por não se restringir somente a “bonitos planos” ou a invocações esclavagistas de uma Hollywood perdida, existe uma ênfase na visão do realizador de There Will Be Blood e de Magnólia, provavelmente a materialização de universos distintos, sem um fio evidente de interligação de autoridade artística.

Em Phantom Thread (A Linha Fantasma) somos enquadrados numa das suas obras mais inssonsas, é bem verdade, mas nem por isso desmerecedor do seu próprio panorama. É a continuação do conto de personagens-fantasmas, figuras reféns de uma aura invisível, vidas passadas ou espectros invocados de forma a reincarnar todo o circulo social do filme. Aqui, um misantropo estilista de alta-linha, Reynolds Woodcock, encontra por fim a sua musa, uma “saloia” que detém as chamadas “linhas perfeitas”, Alma.

Ele acolhe-a na sua casa com todo o “carinho” possível vindo da sua pessoa, porém, a correspondência é de certa forma desleal. Do lado dela, uma obsessão amorosa que tenta sobretudo estender a aura artística de Woodcock, de uma forma possessiva e quem sabe, romanticamente impossível. Neste jogo de relações, que vai preenchendo a espaços o então ritualista quotidiano de Reynolds, é possível encontrar uma terceira personagem, que até certo ponto é invisível aos nossos olhos, mas visível à nossa perceção. Trata-se de um fantasma, não no sentido paranormal, mas ilusório, que vagueia pela casa do protagonista. Uma entidade matriarcal que soa como a sua mais perfeita harmonia.

Revela-se em toda esta habitação de Woodcock uma alusão a Manderley e o dito espectro inspirador numa Rebecca [1]. Alma assume então esse propósito de personagem-modelo perante os mortos não exorcizados, sem saber que com isto funde um estranho triangulo amoroso. Possivelmente, a obra de Hitchcock está envolvida como a mais terna referência de PTA para transpor esse amour fou em voga (e por não, a existência de um toque sirkeano, provavelmente ditado de um Interlude). Infelizmente, Daniel Day-Lewis colabora mais uma vez com o realizador, o que até certo ponto afunila toda a atenção da fita para a sua pessoa (se não fosse esta a sua promovida última aparição no grande ecrã).

É certo que o mais célebre dos atores de método da atualidade embica numa interpretação mais meta-fílmica que fílmica (é sabido que Day-Lewis aprendeu a “costurar” como ninguém de forma a incorporar tal personificação), mas o que encontramos nesta nova colaboração entre ator e realizador é um duelo entre cavalheiros. E isto porque testemunhamos, tal como referi, a um ator necessitado de atenção em cada frame, contra um homem que pretende fecundar um filme coerente sem limitá-lo ao formato “filme de ator”. Este mesmo “braço de ferro”, um à frente das câmaras, o outro por detrás (existe uma linha invisível que os separa), motiva a um dinamismo interno que, por sua vez, insurge-se contra a passividade evidente.

Todavia, o braço-de-ferro é também ele desigual. PTA conta com uma aliada, a atriz Vicky Krieps, a Alma e a alma do filme. Ela é a verdadeira ameaça para a omnipresença de Day-Lewis, se não fosse também um elemento-chave para todo o desencadear da constante desintegração cíclica que compõe a narrativa.

Assim sendo, Phantom Thread remete-nos a assombrações atrás de assombrações para nos conduzir a essa extinção quotidiana, tal como o “romance” aqui imposto, onde a queda nos transporta ao apogeu. Por outras palavras, é sobre a natureza insípida que o novo filme de PTA vai-se construído, camadas sob camadas, como se de uma defesa de anticorpos se tratasse, até atingir o seu derradeiro pico (que igualmente funciona como um anticlímax do seu enredo).

Aí a sua força torna-se evidente, a envolvência da sua atmosfera (com a fotografia do próprio realizador) que nos faz reféns. Como foi bom reencontrar-te Paul Thomas Anderson! Até uma próxima visita.