Quinta-feira, 28 Março

«L’Amant d’un Jour» (O Amante de um Dia) por Aníbal Santiago

Nos momentos iniciais do filme, encontramos os sonoros gemidos de prazer de Ariane (Louise Chevillotte) a serem colocados em contraste com as demonstrações de dor de Jeanne (Esther Garrel), quase que a estabelecer um diálogo entre a euforia do amor e do desejo com a tristeza e o desalento de uma separação. O amor permite que no seu interior convivam sensações e emoções tão contraditórias e antagónicas como essas, algo que Philippe Garrel explana em “L’amant d’un jour”, uma obra que se embrenha pelos meandros das relações amorosas e aquilo que as preenche e esvazia, como o desejo, a alegria, as traições, o ciúme, a solidão, as ilusões e as desilusões. São terrenos bem conhecidos do cineasta, que se volta a envolver pelas dinâmicas intrincadas entre homens e mulheres, sempre com uma dose assinalável de romantismo e uma série de diálogos e personagens que contam com a sua marca pessoal.

“Ele foi egoísta, mas isso acontece com todos. Um dia magoarás alguém sem pensar”, diz Ariane para Jeanne, após esta última ameaçar saltar da janela. Esta afirmação marca o tom do filme, sublinha a volatilidade das emoções humanas e antecipa os comportamentos de alguns personagens, enquanto o ato desesperado de Jeanne explana de forma perentória o turbilhão de sentimentos convulsos que percorrem a mente da jovem. A relação desta com Matéo (Paul Toucang) terminou de forma abrupta, algo que a leva a voltar a viver na casa de Gilles (Éric Caravaca), o seu pai, um professor universitário divorciado e experiente, que habita e namora com Ariane, uma das suas alunas. Louise Chevillotte surge como o desejo em pessoa, enquanto explana as contradições desta mulher que tanto tem de experiente e confiante como de indecisa e imatura, que apresenta uma enorme propensão para fugir da estabilidade e aproximar-se dos prazeres carnais.

Com Gilles, a jovem de vinte e seis anos forma uma relação estável e dotada de abertura, embora ainda esteja numa fase de descobertas e tenha uma enorme propensão para desfrutar dos prazeres que são tão fugazes como o fumo emanado pelos cigarros que traga. Éric Caravaca consegue incutir um tom relativamente ponderado ao seu personagem, um indivíduo que está consciente dos erros que cometeu no passado, que desperta facilmente a atenção das alunas e mantém uma relação pontuada pelo desejo com Ariane e uma ligação marcada por alguma proximidade com a filha. Esther Garrel convence a expressar a aparente fragilidade de Jeanne. Este expõe inicialmente tudo de forma exagerada e bem viva, sejam as palavras ou as lágrimas, fruto de um doloroso final de relação, mas, gradualmente, começa a conter a dor, a recuperar o desejo de viver, a exibir alguma fortitude e a formar amizade com Ariane.

Esther Garrel e Louise Chevillotte contam com dinâmicas credíveis e contribuem para expressar a afinidade que existe entre as suas personagens, duas jovens da mesma idade, com a dupla a protagonizar alguns episódios em conjunto. Alguns destes episódios e estados de espírito dos personagens são apresentados ou reforçados com recurso ao voice-over, algo que permite agilizar o enredo, conceder informação (ainda que a espaços resvale em redundâncias) e completar alguns silêncios. “L’amant d’un jour” é um filme que valoriza os silêncios dos seus personagens, enquanto deixa que os seus rostos exponham as emoções (muitas das vezes em close-ups extremamente bem arquitetados), sejam estas relacionadas com a agonia de um abandono, com o arrependimento de uma traição ou simplesmente com o entusiasmo da libertação da libido.

Philippe Garrel embrenha-se por temas que bem conhece, com a sua interpretação do amor, por vezes algo naïf, a remeter e muito para Truffaut, ou seja, capaz de trazer dor e alegria, enquanto faz com que partilhemos sentimentos com os personagens, tais como o desejo ou a sensação de culpa, o amor fraternal ou o carnal, a melancolia e a euforia. A câmara apaixona-se pelos rostos dos intérpretes, enquanto tudo é filmado a preto e branco, algo que adensa o tom intemporal, romântico e poético do filme e a finura dos seus planos. Note-se quando encontramos Ariane e Jeanne a dançarem com jovens da sua idade, enquanto a banda sonora adensa os sentimentos quentes e a câmara move-se de forma graciosa, pronta a captar os jogos de sedução. É um dos momentos mais belos e magnéticos de “L’amant d’un jour“, uma obra que nos faz dançar ao ritmo dos passos de Philippe Garrel e da sua visão muito particular do amor, da vida e das relações humanas.

Aníbal Santiago

 

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