Sábado, 20 Abril

«Nagai IIwake» (A Eterna Desculpa) por Aníbal Santiago

Como lidar com o falecimento de um ente querido? Esta é uma pergunta que marca o enredo de “Nagai iiwake” e as mentes de Sachio (Masahiro Motoki) e Yoichi (Pistol Takehara). Ambos perderam as esposas no mesmo acidente, embora reajam de forma distinta. Quando recebe a notícia da morte de Natsuko (Eri Fukatsu), a sua esposa, Sachio encontra-se na companhia da amante, algo que coloca o escritor numa posição difícil, sobretudo quando tudo e todos esperam por demonstrações públicas de dor e discursos eloquentes. Ao contrário dele, Yoichi, um camionista, pai de Shinpei (Kenshin Fujita) e Akari (Tamaki Shiratori), apresenta o seu sofrimento de forma sincera, bem como a enorme união que tinha com Yuki (Keiko Horiuchi), a sua esposa. Natsuko e Yuki eram amigas de longa data, embora o escritor e o camionista raramente tenham travado contacto, algo que muda após a morte destas.

Pistol Takehara incute uma personalidade castiça e pouco polida a Yoichi, um indivíduo que expõe os seus sentimentos de forma genuína e conta com mais densidade do que a sua apresentação inicial poderia fazer prever. As cenas em que escuta a última mensagem que a esposa deixou no seu telemóvel são de partir o coração, enquanto a amizade que forma com Sachio é dotada de sinceridade, sobretudo a partir do momento em que este se oferece para ajudar a cuidar dos seus filhos. Masahiro Motoki coloca em evidência o pouco à vontade do protagonista em lidar consigo próprio, bem como a sua faceta egocêntrica e oportunista, com a amizade que o escritor forma com Shinpei e Akari a surgir quer como um bálsamo para a sua alma, quer como uma forma de se evadir momentaneamente dos seus problemas.

A realizadora e argumentista Miwa Nishikawa preocupa-se com estes elementos e consegue que não se limitem à sua descrição inicial ou a uma catalogação rápida, ao mesmo tempo que desenvolve as suas relações e pontua o enredo de pequenos episódios que engrandecem o filme e os seus personagens. A relação de proximidade entre o escritor, os jovens e Yoichi é aprofundada com conta, peso e medida, sempre com recurso a uma mescla de humor, ternura e drama. Os intérpretes incutem vida a estas dinâmicas, embora Motoki surja como o destaque natural, seja a exibir o afeto que o seu personagem começa a nutrir pelo trio ou a expressar a dicotomia entre a dor que sente e aquela que transmite para “parecer bem”. Essas dicotomias entre o que é expresso e aquilo que é sentido adensam-se quando o escritor, a atravessar uma fase menos positiva a nível profissional, decide aceitar uma proposta para expor num programa televisivo a forma como enfrenta a dor.

Sachio tem consciência que mantinha uma relação distante com a esposa, embora exponha uma realidade distinta junto da opinião pública, tanto em discursos eloquentes como em gestos que não traduzem a complexidade dos pensamentos e sensações que percorrem a sua alma, embora permitam que este conquiste popularidade junto do público. É algo que permite ainda explorar uma das propostas mais interessantes de “Nagai iiwake”: a oposição entre a forma como lidamos e encaramos o luto e a maneira como os outros esperam que demonstremos o nosso sofrimento ou enfrentemos o mesmo. Os produtores querem que o protagonista expresse a dor de forma a que esta pareça sincera junto das audiências, embora os sentimentos deste sejam mais intrincados, sobretudo por ter a perceção de que o seu casamento estava longe de ser um exemplo a seguir.

O argumento, inspirado no livro homónimo da autoria da realizadora, aborda com acerto estes assuntos que envolvem o luto, tal como os laços entre pais e filhos e entre irmãos, sempre sem descurar o desenvolvimento dos personagens e as suas dinâmicas. Veja-se um episódio que decorre na praia, onde o quarteto protagoniza momentos que variam entre a alegria e a melancolia, ou um trecho em que um plano-detalhe capta Akari a dar a mão a Sachio, um gesto que exprime exemplarmente a ligação que se forma entre estes personagens. Nishikawa consegue assim arquitetar um drama emotivo e delicado, que se embrenha pelos meandros do luto e pelas diferentes formas de enfrentar a mágoa provocada pela morte de um ente querido, enquanto extrai interpretações de relevo do elenco e consegue que nos preocupemos com os personagens.

Aníbal Santiago

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