Quinta-feira, 28 Março

«Columbus» por Aníbal Santiago

 

Primeira longa-metragem realizada por Kogonada, Columbus é um exemplo paradigmático de uma obra em que o estilo contribui para elevar a substância. Os seus planos, muitas das vezes fixos e de longa duração, são elaborados de forma precisa e delicada, os quadros no interior dos quadros são exemplarmente arquitetados e utilizados, a arquitetura da cidade do título é conjugada de forma harmoniosa com os personagens, enquanto a influência de Yasujiro Ozu é sentida em quase todos os seus poros. Não faltam os pillow shots, os planos fixos e dotados de simetria (muitas das vezes gerais ou de conjunto), uma sensação de harmonia e uma chaleira vermelha, com essa inspiração a ser ainda visível quando encontramos Casey (Haley Lu Richardson) e Gabriel (Rory Culkin), dois funcionários de uma biblioteca, a dialogarem sentados no chão, quase como se estivessem num tatami.

Casey tem cerca de vinte anos de idade, é uma admiradora de arquitetura e tarda em sair de Columbus devido a não querer abandonar Maria (Michelle Forbes), a sua mãe, uma toxicodependente em recuperação. A jovem é uma das protagonistas, tal como Jin (Jon Cho), um indivíduo que trabalha na Coreia do Sul como tradutor de livros de inglês para coreano, que viaja até ao espaço do título devido ao facto do seu pai, um famoso académico, ter sofrido um ataque que o colocou em coma. Ambos parecem presos a este território, um espaço pontuado por uma série de edifícios de relevo que despertam um certo fascínio em Casey, algo que esta procura transmitir a Jin, com quem entrou em contacto num mero acaso. “I’m interested in what moves you particularly about a building“, salienta o tradutor junto da jovem, após ela ter efetuado um discurso semelhante a um guia turístico. É um momento-chave para percebermos a dupla de protagonistas e aquilo que Kogonada efetua, ou seja, um filme que estimula o espectador a sentir, a ser emocionado, a pensar e a desfrutar cada momento desta belíssima obra.

A relação destes dois personagens é desenvolvida de maneira terna e extremamente humana, sendo pontuada por diálogos dotados de sensibilidade e humanidade, prontos a prenderem por completo a nossa atenção. A química entre Jon Cho e Haley Lu Richardson é notória, com a dupla a conseguir explanar as inquietações, certezas, desejos e dúvidas dos seus personagens, enquanto estes deambulam pelo território, seja durante o dia ou a noite, prontos a observarem os edifícios, encontrarem uma certa harmonia na confusão das suas vidas e a dialogarem. Essas conversas permitem expor o amor de Casey pela arquitetura, a proposta que tem para sair deste local e a forte ligação que tem com a mãe, bem como os problemas que Jin tinha com o pai e a incapacidade que estes personagens têm em libertar-se dos grilhões que os prendem ao passado, ao mesmo tempo que somos colocados perante os sentimentos fortes que se começam a formar entre ambos.

Casey e Jin estão longe de serem as únicas figuras de relevo do filme, com elementos como Gabriel, Maria e Eleanor (Parker Posey como uma amiga de longa data do protagonista) a terem espaço para sobressair, bem como os respetivos intérpretes. As forças e as fraquezas destes personagens ficam bem expressas ao longo do filme, com a sinceridade com que trocam diálogos ou expõem as emoções a elevar e muito esta obra onde Kogonada exibe uma enorme capacidade para transformar a simplicidade em algo de especial. As características dos cenários interiores e exteriores são utilizadas ao serviço da narrativa, com a grandiosidade dos edifícios do território a nunca deixar de ser realçada, embora esta se torne pequena diante dos sentimentos e das palavras trocadas pelos personagens principais desta obra cinematográfica filmada com aprumo e enorme sensibilidade.


Aníbal Santiago

Notícias