Sábado, 20 Abril

«Chemi Bednieri Ojakhi» (My Happy Family) por Aníbal Santiago

No início de “Chemi Bednieri Ojakhi”, encontramos Manana (Ia Shugliashvili), a protagonista, a observar o apartamento que pretende alugar. Permanece maioritariamente em silêncio, enquanto a câmara de filmar acompanha-a de forma atenta e a futura senhoria elogia as qualidades da habitação. Pouco depois, esta pergunta se a protagonista tem família, enquanto Nana Ekvtimishvili e Simon Groß, a dupla de realizadores, logo responde à questão ao cortar para o interior da casa de Manana. Lá encontram-se a protagonista, Soso (Merab Ninidze), o seu esposo, Lasha (Giorgi Tabidze) e Nino (Tsisia Qumsishvili), os filhos do casal, bem como Vakho (Giorgi Khurtsilava), o marido desta última, Lamara (Berta Khapava) e Otar (Goven Cheishvili), os pais de Manana. O espaço da casa conta com uma decoração que reflete a presença de três gerações distintas, embora a sua dimensão pareça amplamente insuficiente para que todos estes personagens consigam preservar a sua privacidade, com o dia-a-dia destes elementos a contar com diversos momentos caóticos, uma situação que é adensada por uma decisão drástica de Manana.

Esta decide abandonar a casa com o intuito de viver sozinha. O momento em que a decisão é colocada em prática é filmado num plano-sequência bem arquitetado, que permite captar e exacerbar o fervilhar das emoções e a competência dos intérpretes. Se a protagonista permanece obstinada até começar a verter algumas lágrimas, já os filhos questionam este ato, Lamara exalta-se, Soso permanece perplexo e a casa adquire características sufocantes. É um dos grandes trechos do filme, que marca o enredo e permite não só colocar em evidência algumas das idiossincrasias desta família, mas também a competente mise-en-scène e a relevância que a protagonista tem no interior do núcleo familiar. Manana está no cerne de quase todos os episódios, com a sua partida a mexer com aqueles que a rodeiam. Observe-se a atitude conservadora e eivada de ressentimento de Lamara, com Berta Khapava a expor as dificuldades desta mulher vetusta em aceitar o ato da filha.

Se Lamara dedicou toda a sua vida à família, já Manana desafia as expectativas dos pais, do seu irmão (Dimitri Oragvelidze), bem como da sociedade e dos filhos, com a sua decisão a encontrar-se dotada de coragem. Ia Shugliashvili tem um trabalho notável a compor esta personagem, com a atriz expressar uma imensidão de sentimentos através dos silêncios e a incutir complexidade a esta professora que decide emancipar-se aos cinquenta e poucos anos de idade. No novo apartamento, ela ganha tempo para refletir, apreciar um pedaço de bolo de forma sossegada ou tocar guitarra e cantar. Por outras palavras, recupera a sua identidade individual, embora nunca se desconecte totalmente da sua família, bem pelo contrário. Veja-se quando se reúne com Lilo, uma jovem que pretende engravidar, ou a ocasião em que se desloca à sua antiga casa devido a um ato de Lasha. 

Não faltam subtramas a envolver os personagens mencionados – umas exploradas com mais acerto do que outras -, com Ekvtimishvili e Groß a desenvolverem as suas relações e a aproveitarem a decisão de Manana para exporem o conservadorismo que existe no interior da sociedade da Geórgia. É uma das temáticas desenvolvidas com acerto ao longo do filme, bem como os problemas conjugais, as relações entre pais e filhos, o choque de gerações, o papel da mulher na sociedade, enquanto é concedida alguma atenção aos pequenos atos que muito dizem sobre os personagens. Tudo é exposto a um ritmo muito próprio, coerente e credível, com os planos de longa duração a resultarem e a competência do elenco a ser realçada. Veja-se no último terço, quando somos colocados perante uma troca de diálogos entre Manana e o esposo, um indivíduo aparentemente calmo e afável, no interior da casa da primeira, na qual sobressai a forma como Tudor Vladimir Panduru, o diretor de fotografia, utiliza habilmente os planos de longa duração para deixar fluir os sentimentos e as palavras.

“Chemi Bednieri Ojakhi” evita julgar estes personagens e as suas ações, enquanto nos apresenta a um conjunto de figuras dotadas de humanidade que procuram conviver com uma nova realidade ao mesmo tempo que exprimem de forma muito própria o afeto que têm uns pelos outros. E, no final, também nós ficamos a nutrir algum afeto por este simpático e singelo drama.

Aníbal Santiago

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