Terça-feira, 19 Março

«I, Tonya» (Eu, Tonya) por André Gonçalves

Se rir é o melhor remédio, é também a melhor defesa.

Caso entre mãos: I, Tonya, película de Craig Gillespie. Durante a primeira hora e meia, este filme “reconta” a história da patinadora artística norte-americana Tonya Harding num tom satírico, começando desde logo por satirizar, de uma forma refrescante, o “baseado em factos verídicos” que tanto popula, sobretudo nesta altura do ano, as salas de cinema.

Há aqui um claro eco num marco dos anos 90, que até contava com uma patinadora como figura secundária, mas extremamente relevante para a narrativa de crime e castigo entre mãos: To Die For (Disposta a Tudo). Gillespie, que já tinha dado um sinal suficiente que poderia até chegar a esse pico de equilíbrio perfeito entre sátira e empatia traçado por Gus Van Sant com o anterior Lars and the Real Girl (no qual conseguiu o feito de transformar uma boneca sexual numa figura viva aos olhos do espectador), estatela-se ao comprido quando se trata de desenhar figuras humanas de uma história com traços carregados de realidade, o que é de si tão ou mais impressionante como o seu feito anterior. 

Sim, esta sátira, sobre violência humana cometida desde logo entre uma mãe e filha (impressionantes  Alisson Janney e Margot Robbie, no que têm a fazer com os seus “embustes” de personagens – embora tenhamos também que felicitar o trabalho de caracterização, outro potencial nomeável aos prémios da Academia), é rica em “partir pratos”, e fraca em ambiguidade. Primeiro rimo-nos, depois começamos a ficar ligeiramente desinteressados. Trata-se aqui de um clássico caso de jogar à defesa 3/4 do tempo para não lidar de perto com a tragédia, e depois de repente, começar a querer colher os frutos de algo que nunca realmente atacou. A saber: a construção de personagens que não sejam elas próprias meros punchlines andantes.

Melhor (pior), é o filme não ter consciência das suas falhas. “Pensei que ser famosa ia ser divertido. (…) Depois fui odiada, e depois fui apenas uma punchline. Foi como ser abusada outra vez. Só que desta vez foi por vocês. Todos vocês. São todos os meus atacantes também.” diz-nos a Tonya ficcionada no início do último ato, olhando diretamente para a câmara/espectador. Ou será para o realizador?

Com a introdução de uma narrativa mais séria estilo Scorsese (o FBI a chegar, enfim, toda a lista de procedimentos por esta altura imagináveis, vistos vezes sem conta…), o filme perde o fôlego inevitavelmente porque pede uma seriedade (e até um choradinho) de algo que não chegou a merecer, pois, de facto, passou ao lado dela a maior parte do tempo. A reter para a posterioridade o que fica? Uma seleção musical, essa sim, a merecer figurar no balanço de melhores do ano, e a maneira frenética e urgente como filma as sequências do ringue, se, ainda assim, seguras e centradas em close ups.

Com isto tudo, torna-se difícil recomendar I, Tonya, mesmo que, ultimamente, a sua bagunça seja também a bagunça de toda uma América, ontem e hoje.   

 

André Gonçalves

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