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«The Bachelors» (Tempo de Recomeçar) por Aníbal Santiago

A honestidade em relação aos seus singelos objetivos e as dinâmicas entre os personagens interpretados por J.K. Simmons e Josh Wiggins surgem como alguns dos principais atributos de “The Bachelors”, uma obra cinematográfica que aborda temáticas relacionadas com o luto, a depressão, a solidão, a formação e afirmação da identidade, o primeiro amor e a ligação entre um pai e o seu filho, enquanto vagueia pelas margens do humor e do drama. Em diversos momentos parece que a segunda longa-metragem de Kurt Voelker vai ceder por completo aos lugares-comuns, descair para o drama adolescente que poderia constar nas séries associadas ao canal CW ou perder-se em alguns diálogos demasiadamente artificiais. Mas os seus intérpretes, sobretudo, Simmons, logo tratam de compor figuras que prendem relativamente a nossa atenção. Simmons interpreta Bill, um professor de cálculo que decide dar um safanão na sua vida ao aceitar uma proposta para lecionar numa escola privada que é dirigida por Paul (Kevin Dunn), um amigo de longa data.

A acompanhar o docente encontra-se o seu filho, Wes (Josh Wiggins), um adolescente de dezassete anos de idade, com a dupla a encontrar-se a enfrentar a dor provocada pela morte de Jeanie (Kimberly Crandall), a esposa do primeiro e a mãe do segundo. Pai e filho lidam com o luto de forma distinta, algo abordado de forma competente pelo argumento e expresso pelos intérpretes. Simmons imprime dimensão, carisma e vulnerabilidade a Bill, enquanto transmite com acerto as dificuldades que este sente a lidar com a perda da esposa. O docente muda bruscamente de casa e de trabalho, tenta alterar o seu modo de vida e começa a frequentar um psiquiatra (Harold Perrineau), mas tarda em conseguir deixar de ser consumido por uma doença perigosa que afeta a sua relação com o filho e aqueles que se aproximam da sua pessoa. Observe-se a sua relutância em desencaixotar os objetos, algo que exibe quer a dificuldade que este tem em criar um novo lar, quer o cuidado que foi colocado na decoração deste cenário para reforçar os dilemas interiores do protagonista. Na escola, conhece Carine (Julie Delpy), a professora de francês, com quem forma uma relação pontuada pela afabilidade, embora tarde em soltar-se dos grilhões provocados pelo luto e a depressão.

Wes também sofre com a ausência da mãe, embora tente seguir com a sua vida para a frente, seja a formar amizade com dois colegas desajustados e sardónicos (Tyrel Jackson Williams e Jae Head), ou a demonstrar o seu interesse por Lacy (Odeya Rush), uma jovem que é alvo de uma série de rumores, sobretudo no que diz respeito ao seu envolvimento com Mason (Charlie DePew), o estereótipo do bad boy de serviço. Wiggins é moderadamente competente a demonstrar o afeto que o seu personagem nutre pela mãe e a proximidade que tem do pai, com a ligação entre a dupla a aparecer como um dos ingredientes essenciais do filme. Diga-se que o ator convence ainda no que diz respeito ao interesse de Wes por Lacy, uma dupla que se aproxima a partir do momento em que este é designado para ajudar a primeira nos trabalhos de casa de francês. É uma das várias “coincidências” do destino que contribuem para reunir os personagens, com “The Bachelors” a raramente conseguir surpreender ou fugir às convenções do género.

Tanto a relação dos dois adolescentes como a dos professores é marcada por avanços e recuos previsíveis, embora o trabalho de Voelker seja facilitado pelos intérpretes, tanto os já mencionados Simmons e Wiggins como Julie Delpy e Odeya Rush. Delpy coloca em evidência a faceta compreensiva e solitária da sua personagem, uma professora solteira que conta com uma enorme habilidade para imitar os gestos dos peixes. Embora ainda não seja uma atriz de grandes recursos interpretativos, Rush consegue inserir uma faceta simultaneamente arisca, frágil, solitária e destrutiva a Lacy, uma adolescente que se encontra a afirmar a sua identidade. Os problemas em casa afetam e muito os comportamentos da jovem, embora os atos de automutilação que esta comete sejam abordados com uma leveza e uma artificialidade incómoda, com a tentativa de não ferir as suscetibilidades e a falta de complexidade a aparecerem muitas das vezes como imagens de marca do argumento, tal como a incapacidade para desenvolver os personagens secundários.

Num determinado momento do filme, uma corrida de Wes é entrecortada por uma tentativa de Bill para desfazer-se dos objetos da esposa. Ambos têm de superar a dor e enfrentar os seus dilemas interiores, com a dupla a estar no cerne desta obra leve e inofensiva, que tem o mérito de contar com personagens que prendem relativamente bem a atenção.

Aníbal Santiago