Sexta-feira, 29 Março

«Abracadabra» por Jorge Pereira

Depois de Torremolinos 73 (2003) e Blancanieves (2012), Pablo Berger demonstra mais uma vez com o seu recente Abracadabra o cuidado e a minúcia com que delineia cada plano, cada enquadramento, cada cor e contraste, isto enquanto nos oferece uma comédia negra repleta de comentários sociais (abusos físicos e psicológicos), revelando no seu final atípico o verdadeiro feminismo de uma personagem em busca da emancipação, papel que cabe que nem uma luva à sua atriz fetiche, Maribel Verdú.

Agindo um pouco na linha do cinema delirante de Alex de la Iglesia, Berger começa no realismo o seu conto sobre um homem abusivo (Antonio de la Torre) que depois de uma hipnose que dá para o torto é possuído pelo espírito de um charmoso assassino em série. Isto antes de entrar num mundo oculto e mágico tingido com elementos de horror e da comédia irreverente, onde não faltam situações tão absurdas como criativas, e onde só algum descontrolo nos eventos presentes no argumento e nas marcas estilísticas, que se amontoam sem grande relevância, nos fazem franzir os olhos e retiram grandiloquência a este quadro costumbrista pop onde a mudança entre géneros é tanto uma mais valia como uma maldição.

Nomeado a 8 Goyas, Abracadabra é um mimo na interpretação, na direção artística, no design de produção e na cinematografia, carimbando Berger como um cineasta tremendamente meticuloso (fazendo lembrar Wes Anderson e Pedro Almodóvar no detalhe) e com uma carreira coesa, repleta de originalidade, mas que ainda não encontrou o balanço certo, ficando o espectador mais uma vez à espera de uma obra-prima há muito antecipada.


Jorge Pereira

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