Terça-feira, 19 Março

«120 Battements par Minute» (120 Batimentos por Minuto) por André Gonçalves

Desde o seu início, que parece seguir uma lógica de filme de golpe – uma ação contra os “bem comportados”, contra o status quo, que 120 Batimentos por Minuto surge até nós, não (apenas) como um mero objeto formalmente bonito, mas como ele mesmo, um ato de rebeldia contra o bom comportamento. Uma ação ativista contra o espectador passivo, que continua a condenar certos comportamentos “sujos”, associando-os ao VIH/SIDA. É um esforço glorioso, que talvez peque por ironicamente, ceder um pouco mais ao familiar assim que o ramo pessoal se sobrepõe ao ramo político… mas já vamos aí.  

Falamos então da “ACT UP” de Paris, organização, por muitos vista como “radical”, ao exigir explicações com “sangue” figurativo, tentando assim chamar atenção do Poder, para que apoie os ditos grupos de risco, com o objetivo de controlar a praga mais memorável do século XX. Essa será, como todos nós saberemos, uma luta inglória, dado que ainda hoje temos um problema com este vírus. Falamos concretamente da presença de homossexuais nesta tragédia global, mas não só. O realizador Robin Campillo faz várias vezes questão de lembrar que houve outras vítimas, com a inclusão de um doente hemofílico e a sua mãe na organização embora os homossexuais tenham sido efetivamente os estigmatizados por excelência, e aqui, de facto, tomam então palco central – numa história de amor serodiscordante sui generis. 

Campillo já tinha provado saber jogar com várias temáticas (ver o ainda melhor – i.e. mais compacto e ainda mais inconformista – Eastern Boys), e aqui, o que chama realmente a atenção é precisamente o jogo entre a luta e a festa. De certo modo, é precisamente isto o resumo de toda a vivência de uma comunidade, que, de há umas décadas para cá, aprendeu a viver com a morte de muito perto – e teve obrigatoriamente que aprender a lutar contra ela – e é essa luta contra a morte que vemos os mesmos corpos fazer quer nos desfiles da marcha de orgulho e nos atos heróicos contra as farmacêuticas hipócritas, quer na noite. Corpos tendencialmente plásticos, desprovidos de uma noção de compromisso para a eternidade, pois aprenderam a superar essa grande barreira, que foi ditada praticamente como sentença. Aqui, o corpo sacrificado de Nashuel Pérez Biscayart é sem dúvida o mais memorável. O seu sonho de ver o rio Sena vermelho é posto em prática por Campillo, e aí o filme atinge o seu êxtase, pedindo praticamente um fade to black… não existe, pois claro, porque ainda falta tempo na fita: existe uma outra libertação, uma catarse obrigatória, e… sim, bem comportada q.b., a impôr-se no programa e no tempo do espectador, a gerar todo um diálogo com uma panóplia de filmes sobre a doença terminal.

Há espaço para uma dança final, já solitária, fazendo aqui uma montagem com uma cena de sexo – perante o que foi visto antes, parece uma transição redundante, repetitiva. Mas ficamos com o filme (e ele fica connosco, nem que seja às postas), e com a confirmação, agora mainstream, que Campillo é um senhor capaz de operar sobre qualquer género (lembrar também Les Revenants!) para nos trazer uma verdade concretizada em tela. E se estes três filmes servirem de padrão, haverá sempre uma dose generosa de cinema à nossa espera.  

 

André Gonçalves 

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