Sexta-feira, 19 Abril

«O Fim da Inocência» por André Gonçalves

Uma das peças mais irritantes que testemunhei no daytime TV foi precisamente, quando num canal privado, um dito psicólogo da praça se propôs a ir ver o que os adolescentes andavam a fazer “na noite”. 

O Fim da Inocência não será exatamente tão gratuito e simplista quanto esse pedaço de antena, mas esperava-se melhor de um realizador que, em tempos, se tornou umas das vozes mais curiosas do panorama pós-moderno do cinema português – precisamente por ter feito uma ponte rara entre o sucesso do público sem desprezar uma vertente de crítica social a essa mesma audiência. 

Em boa verdade, desde que parou de assinar os seus próprios argumentos, e começou a aceitar encomendas (i.e. adaptações de bestsellers nacionais), que houve um desaparecimento da personalidade mais crítica que poderíamos atribuir a Leitão. Se em Sei Lá, adaptação do romance de Margarida Rebelo Pinto, poderíamos atribuir a culpa, ou desculparmos a produção por querer aparecer num tempo que já não existe, aqui já não há esse tipo de subterfúgios – temporais, pelo menos. O Fim da Inocência é um filme cobarde, sim – ao usar um moralismo puritano mais escandaloso que qualquer cena “polémica” ou “escaldante” que possa dizer ter para chamar espectadores, instruindo constantemente o seu público com um mapa em como reagir, não confiando nele, e perdendo consequentemente toda a sua confiança. 

E é, mais que um mero mau filme, uma oportunidade perdida. Numa típica capa aos pais que poderia ter a gorda: “vejam o que os vossos filhos andam a fazer quando não estão a ver”, o que temos é um desfile de personagens bidimensionais, não tão distantes ironicamente, como as caras que as poderão interpretar, desfilando para as revistas da moda. Mas é um desfile que, pese uma péssima narração (rivalizando aqui com o já mencionado Sei Lá) e restrições de copyright risíveis (Cinder, disseram?), revela por sua vez uma empacotagem minimamente sólida e bem apertada para estes tempos pós-morangados – aqui méritos restantes ao realizador “anónimo”, que ainda assim sabe como reter a nossa atenção até final, no meio de tanta superficialidade. 

Para ter um pequeno vislumbre do que poderia ter sido esta história que trata O Fim da Inocência (filme, se não o livro que o deu origem com o subtítulo “Diário Secreto de uma Adolescente Portuguesa” – não o li, não o pretendo julgar por isso), o espectador tem na mesma semana Verão Danado de Pedro Cabeleira, feito para todos, sem restrições explícitas de epilepsia, e os tiques/truques de história verídica aqui também presentes. 

 

André Gonçalves

 

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