Terça-feira, 19 Março

«Verão Danado» por André Gonçalves

Se há algo que sempre pensei faltar no cinema português, mesmo naquele mais aclamado e festivaleiro, foi falar para os jovens. Uma coisa é termos tido há 20 anos Teresa Villaverde a lidar com os “adolescentes problemáticos” (para uma sociedade cada vez mais sociopata) em “Os Mutantes”. Sim, foi um retrato duro, real. Mas Pedro Cabeleira fala de uma outra realidade, de outra “juventude inquieta” (aquela que outra geração, chamará certamente de “perdida”, esquecendo-se, consciente ou inconscientemente dos seus próprios pecados).

O argumentista e realizador, assina à sua primeira longa-metragem, uma das obras mais fascinantes do ano, um retrato do “aqui” e “agora” – mas sem grandes tiques de montagem pós-modernistas – nos antípodas de morangadas televisivas, portanto – e contando com um leque de personagens “janadas” que podiam ser os nossos amigos. Podíamos (podemos!) até ser nós, ali numa dessas noites loucas com direito a direta no Europa Sunrise.

É essa empatia que, por entre tensões eróticas polissexuais crescentes (diria que já desde Boi Neon que não via um filme tão perdidamente erótico), típicas de corpos em busca do que há para vir e nunca efetivamente chegou – “à espera, do melhor que já não vem”? como a “Canção do Engate” de António Variações nos canta a meio do filme? – gera a rendição incondicional a esta obra, o viver cada rave e after, por muito longa que pareça. No centro deste corpo de conhecidos está Xico (excelente Pedro Marujo), um jovem que vem para a cidade, para um desses inúmeros quartos para alugar, para aí encontrar uma Lisboa festiva, de entretenimento garantido, até esse entretenimento se tornar demasiado anónimo e repetitivo. 

“Verão Danado” fala para o espectador, e deve constituir uma das provas essenciais dos últimos anos aos críticos dessa instituição chamada Cinema Português, que tanto se queixa de obras viradas, ou totalmente para o umbigo, ou totalmente para a caixa registadora. É um filme assumidamente mais artístico que comercial, sim, mas bem mais equilibrado do que o desequilíbrio que nos provoca – repare-se, como a opção de abrir a película com a vida aborrecida do campo, faz ligação direta com também o relativo estagnamento do after. Filme danado, este. 

André Gonçalves

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