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«Only the Brave» (Só Para Bravos) por André Gonçalves

 

A América está ferida. E não, não falamos de Trump – pelo menos diretamente. Falamos de algo que precisamente a administração do novo Presidente decidiu negar ser uma realidade: o aquecimento global, o aumento médio da temperatura do planeta, que por sua vez tem gerado uma vaga de incêndios cada vez mais difíceis de domar, com ou sem mão criminosa. Esta é uma realidade particularmente próxima – e particularmente fácil de empatizar, portanto – enquanto portugueses que testemunharam em 2017 a pior época de incêndios até ao momento.   

Only the Brave é então um “filme-memorial” feito para dignificar todas as vidas perdidas na luta contra a Natureza – mais concretamente, as dos que defenderam o incêndio de Yarnell Hill em 2013, que vitimou 19 bombeiros da então força especial “Granite Mountain Hotshots”. É também um biopic coletivo, uma dramatização dos eventos que levaram à tragédia final, que infelizmente não se safa dos clichés do género que enunciei precisamente a propósito do “biopic” de Morrissey [1] há uma semana atrás, num parêntesis. A saber: o separador “baseado em factos reais”, e uma montagem final de todas as personagens reais com os atores respetivos.

O que há então para testemunhar de novo nesta obra? Bem, a força do fogo, e esta luta concreta do “fogo com fogo”, foi raras vezes capturada de uma forma tão realista como a que testemunhamos aqui. E o realizador Joseph Kosinski (Tron: Legacy) amolece esta história de underdogs com final trágico anunciado ao contrapôr sempre o lado familiar com o lado profissional, e as dificuldades em conciliar estas duas carreiras, quando o trabalho se resume a apagar fogos, e a pôr a vida em risco sempre que se sai de casa. Há também aqui um momento curioso, de uma transferência de vícios, como se o fogo fosse o novo álcool, fazendo aqui ponte com o estado de guerra de Bigelow em The Hurt Locker. Claro que o filme imediatamente guina para outra direção, o que é pena.

Dos 20 membros do corpo, apenas quatro ou cinco ficaram minimamente desenvolvidos enquanto personagens, fazendo pensar que no meio de um tributo final tão igualitário, o filme tenha sido obviamente forçado a contar as histórias mais exemplificativas do culto do herói norte-americano (na vertente underdog, claro), auxiliadas por um naipe de atores com bagagem emocional suficiente para cumprir as marcas exigidas (Josh Brolin, Miles Teller, Jeff Bridges, Jennifer Connely, Andie MacDowell…).

Perante um espectáculo vistoso q.b., tão bem comportado, com tanto cuidado para não ferir susceptibilidades – tirando as dos canais lacrimais, reside também a frustração para quem desejaria algo mais… incendiário em termos narrativos. 

 

André Gonçalves