Terça-feira, 19 Março

«Western» por Aníbal Santiago

O título de “Western” remete não só para o encontro entre a Europa Ocidental e do Leste que observamos o longo do filme, mas também para o género cinematográfico que partilha o nome com o título da nova longa-metragem de Valeska Grisebach. Não temos a grandiosidade do Monument Valley em planos bem abertos, embora não faltem elementos como a cidade de fronteira, o protagonista lacónico, bem como um estaleiro que a espaços traz à memória os postos da cavalaria de obras como “She Wore a Yellow Ribbon” ou “Fort Apache”. O estaleiro pertence a uma empresa da construção civil oriunda da Alemanha, que foi contratada para uma obra intrincada numa zona rural da Bulgária, com o espaço onde estes elementos vivem e trabalham a ser exposto e aproveitado ao pormenor, sendo exibido muitas das vezes em planos abertos que permitem exacerbar as características simultaneamente belas e hostis deste território.

A presença do calor e do Sol é sentida, quase que a trazer a falsa sensação de um ambiente acolhedor, embora ao longo do filme não faltem situações tensas, seja no interior deste grupo de trabalhadores, ou inerentes ao choque de culturas entre alguém que vem de fora e aqueles que já se encontram no território. Esse embate é um dos temas primordiais do filme: a língua separa os alemães dos búlgaros, tal como os seus hábitos, objetivos, preconceitos e o passado (a II Guerra Mundial não foi esquecida). A própria presença da bandeira alemã, colocada a sinalizar o estaleiro, indica desde logo um sentimento de tomada do território. Essa sensação de intrusão é adensada ainda pelos comportamentos de alguns trabalhadores, muitas das vezes a roçar o chauvinismo e a xenofobia. Note-se quando encontramos Vincent (Reinhardt Wetrek), o elemento que controla a obra, a salientar que regressaram 70 anos depois (numa alusão à II Guerra Mundial), ou a sua atitude desprezível e machista para com Vyara (Viara Borisova), uma local, num episódio definidor que ocorre no início do filme.

A observar esse episódio que decorre num momento de lazer encontra-se Meinhard (Meinhard Neumann), um antigo legionário. Meinhard Neumann, um intérprete não profissional (tal como boa parte do elenco), é um achado. Com um corpo magro, um olhar que transmite uma certa passividade, um bigode saliente e um rosto que facilmente fica na memória, Neumann consegue explanar a capacidade deste indivíduo em tanto apresentar gestos dotados de sensibilidade que contrastam com os comportamentos dos seus colegas como de explodir e exibir um lado mais intenso. Diga-se que o intérprete consegue ainda exprimir a afeição que o protagonista gera em relação a um cavalo (quase a parecer um cowboy solitário), bem como o seu esforço para relacionar-se com os locais, seja a tentar formar amizades, ou a aprender a língua. Note-se a relação de proximidade que forma com Adrian (Syuleyman Alilov Letifov), um indivíduo com algum poder nas redondezas e uma vasta rede de contactos, com a atitude do personagem principal a contrastar com a faceta mais belicosa de Vincent.

Reinhardt Wetrek imprime um lado pouco dialogante, egoísta e machista a este indivíduo que começa a temer que o protagonista lhe roube influência, com os intérpretes a convencerem em relação à animosidade que se gera entre os seus personagens. O receio de Vincent não aparece ao acaso, ou “Western” não surgisse também como um filme sobre a masculinidade, seja em relação aos comportamentos dos homens quando estão em grupo, ou isolados, ou a maneira como expressam ou reprimem os seus sentimentos, ou tentam conquistar a atenção daqueles que os rodeiam. Grisebach arquitecta os momentos de tensão com enorme acerto, com os conflitos físicos a acontecerem com alguma regularidade, ou a testosterona não estivesse à flor da pele e o calor pronto a aquecer os ânimos e as relações. O choque de culturas é notório, como podemos observar nas dificuldades de comunicação entre os alemães e os búlgaros, algo que os obriga praticamente a recorrerem a gestos, embora pelo caminho surjam alguns mal-entendidos. Os intérpretes convencem, enquanto Grisebach desenvolve estas dinâmicas e temáticas num ritmo muito próprio, sem qualquer sentido de urgência, mas com imensa precisão e um tom documental, enquanto se esgueira quer a nível visual, quer temático, pelo género do título.

Aníbal Santiago

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