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«Porto» por André Gonçalves

  

Amor à primeira vista. O que significa? O conceito é um pouco parvo. Porto, usando finalmente a cidade invicta como palco romântico internacional (“Porto je t’aime“?), tenta, primeiro timidamente, depois da forma mais desconfortante possível, num tempo mínimo para uma longa-metragem (76 minutos), demonstrar a droga da paixão, facilmente confundida por uma das partes como o tal “amor à primeira vista“. 

Ele é mais novo que ela. Apaixona-se perdidamente. Para frisar a troca social de género – tendemos ainda hoje a encarar as mulheres como as perdidamente apaixonadas, os homens como “manipuladores” – ele vem-se depois dela no último ato. Não importa o contexto de onde veio, diz, mas sabemos que importa. Ao longo da história partida em três (ele, ela, o casal ele-ela), o quase estreante Gabe Klinger mostra um amor por uma especificidade por uma história, que desconstruída é a história de todos nós – “milenares”, sobretudo. O dilema “gosta ou não de mim?” ficou para segundo plano, tornou-se dado adquirido, não significa porém que se queira repetir. Desliga-se o interruptor, e volta-se para o conforto e segurança de uma família. Parece existir um caos, ainda controlado, onde a mentira, ou a omissão de verdades, se preferirem que faz esta gestão de “engates”. Um dia, um realizador fará uma obra-prima sobre este tema. Klinger ainda não é esse senhor, nem esperavámos mais do que efetivamente encontrámos, mas deve-se registar que há uma proximidade ao objeto, muito do seu primeiro filme documental com Richard Linklater (e podíamos facilmente ver a reverência que Klinger possa ter perante a trilogia Before de Linklater), que brota para este lado. Claro que esta proximidade roça aqui e ali o demasiado “twee” (memórias em câmara de vídeo, esse tipo de subterfúgios), que constraste de uma maneira violenta com as verdades das mentiras que surgem na última bobine, por outro lado. 

To Anton” dedica o realizador ao ator Anton Yelchin, que encerra a sua inesperadamente curta carreira (faleceu vítima de um triste acidente de viação o ano passado), piscando um pouco o olho a outro romance mentiroso – em que aí os dois amantes iludiam-se um ao outro (o comparativamente mais convencional, se mais preenchido, Like Crazy). O ator parece, de uma maneira arrepiante, adivinhar o seu fim trágico – com um ar moribundo, com um português esforçado para os figurantes com que se cruza, falando abertamente sobre a morte, indo “sem parar” até à conclusão que já conhecemos dos primeiros minutos. Lucie Lucas, mesmo sendo na vida real uma atriz mais velha que Yelchin, e de ser um papel mais “manipulador”, tem uma disposição mais passiva, limita-se por vezes a observar-lo e a observar-nos. Cumpre as marcas, ao ponto de desaparecer, ficando só uma memória. O mesmo se pode dizer do filme, mas a memória é suficiente positiva para vivê-lo pelo menos uma vez. 


André Gonçalves