Terça-feira, 19 Março

«The Big Sick» (Amor de Improviso) por Aníbal Santiago

Uhuu” grita Emily (Zoe Kazan) após Kumail (Kumail Nanjiani) ter questionado se estava alguém do Paquistão na plateia. Este episódio ocorre durante um espetáculo de stand-up comedy e permite não só interromper o número do segundo, um comediante e motorista da Uber, mas também dar o ponto de partida para a relação terna e peculiar destes dois personagens. O romance é desenvolvido com sensibilidade, doses assinaláveis de humor e beneficia imenso da química entre Nanjiani e Kazan, uma dupla que tem o dom de nos convencer de que existe algo forte a brotar entre estes dois jovens. Ambos transmitem afabilidade, contam com inseguranças e ambicionam algo mais da vida, enquanto partilham uma certa dose de imaturidade e uma enorme capacidade para despertar a nossa simpatia.

A intercalar estes momentos entre o casal encontram-se os espetáculos de stand-up e os episódios nos bastidores do clube onde o protagonista trabalha, mas também as reuniões de Kumail com a família. Estes são oriundos do Paquistão, tal como o personagem principal, ou seja, onde os casamentos são arranjados, com “The Big Sick” a abordar esta temática e os choques culturais, sempre sem apresentar uma postura pejorativa do “outro lado”. É certo que o filme usa e abusa das repetições de encontros do comediante com potenciais noivas, algo que começa por ser um gag bem arquitetado, até se gastar e tornar-se apenas redundante. No entanto, estes encontros também permitem expor as dinâmicas muito peculiares desta família e colocar em evidência que Kumail vai ter de tomar uma decisão difícil, seja esta contrariar a tradição ou terminar o namoro.

A relação entre Kumail e Emily é interrompida por uma discussão e uma doença grave que ameaça tirar a vida à segunda. A partir do internamento e do momento em que esta é colocada em coma induzido, assistimos à entrada em cena de Beth (Holly Hunter) e Terry (Ray Romano), os seus pais, duas figuras que formam gradualmente uma relação de amizade e respeito com o comediante, com quem passam longas horas no hospital, partilham experiências, memórias e um enorme amor por Emily. A descrição parece longa, mas “The Big Sick” é um filme que se apresta a isso, ou não tivesse como pontos fortes o seu enredo, o seu argumento, as dinâmicas entre os seus personagens, a relevância de algumas das suas temáticas, a sinceridade dos seus diálogos e o humor.

O humor faz parte do filme, bem como a abordagem de temáticas sérias, sejam estas relacionadas com a forma como a vida privada influencia a vida profissional, as dificuldades inerentes à stand-up comedy, o choque de culturas e gerações, as relações matrimoniais, a intolerância e a xenofobia, entre outras. A intolerância é exposta de forma paradigmática quando encontramos um indivíduo a interromper um espetáculo e a gritar para Kumail voltar para o ISIS, uma atitude que desperta a fúria de Beth. Hunter imprime uma faceta explosiva, intensa e extremamente humana a Beth, uma mulher com os sentimentos à flor da pele, com a intérprete a contar com um papel digno de atenção. Também Romano consegue sobressair, com o seu Terry a exibir uma certa amabilidade e uma capacidade enorme para protagonizar situações constrangedoras.

Romano e Hunter têm espaço de sobra para comporem personagens dotados de massa humana, tal como Anupam Kher, Zenobia Shroff, Adeel Akhtar como os pais e o irmão de Kumail, com “The Big Sick” a conseguir que respeitemos quase todas figuras que povoam o enredo, seja quando estão em longas discussões ou em momentos dotados de afecto. O maior destaque é Nanjiani, ou a história do filme não tivesse sido inspirada no seu romance com Emily V. Gordon, com quem partilha a escrita do argumento. Essa situação talvez ajude a explicar a sinceridade transmitida pelo filme, algo que é adensado pelo estilo simples e eficaz do realizador Michael Showalter, com o cineasta a exacerbar a substância em detrimento do estilo e a conceder espaço aos seus intérpretes.

Nanjiani domina os timings humorísticos, exibe uma fragilidade desarmante, expõe os erros do protagonista com uma sinceridade notória e as particularidades da cultura paquistanesa com uma mescla de leveza e respeito ao mesmo tempo que transmite o amor que o seu personagem sente por Emily e a afeição que tem pelos pais. Kazan acompanha-o com acerto e cria uma personagem dotada de simplicidade e personalidade. Ambos conquistam-se e conquistam-nos ao longo desta comédia romântica dotada de doçura, emoção, sensibilidade, humor, algum drama e um enorme coração.

Aníbal Santiago

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