Quinta-feira, 28 Março

«The Meyerowitz Stories (New and Selected)» por André Gonçalves

As famílias são tanto o nosso porto como a fonte de praticamente todas as nossas frustrações emocionais. Esta disfuncionalidade familiar, sobretudo da família norte-americana de classe média/alta, é porventura o tema mais debatido em solo “indie”, e Noah Baumbach, vindo de uma escola que terá incluído o estudo exaustivo de autores como Woody Allen e Wes Anderson, tornou-o logo um dos seus temas mais pessoais, desde a sua estreia com A Lula e a Baleia.

The Meyerowitz Stories (New and Selected) decide focar-se na atenção que um pai dá aos filhos, e nas lutas internas para se ser o melhor em alguma coisa, se não o melhor filho.

Harold Meyerowitz (Dustin Hoffman, na sua praia) é assim um escultor que merecia maior atenção mediática do que eventualmente recebeu. Ou será que merecia mesmo? Baumbach opta por apresentar os filhos, um a um, via vinhetas em telas brancas com um pequeno texto descritivo introdutório, nos seus encontros “sui generis” com o patriarca e a excêntrica madrasta alcóolica (Emma Thompson, igualmente sólida), que tem o hábito de preparar animais estranhos para o jantar, enquanto tenta ficar longe do àlcool.

Aqui entra o maior factor surpresa do filme: o casting de Adam Sandler para o papel que até requer maior complexidade de todo o naipe de personagens – o de filho mais velho da família, um casting que acerta em cheio, pois Sandler, confrontado com o peso da responsabilidade de ter novamente um papel maduro ao seu dispor, finalmente volta a mostrar que não é tão mau ator como os filmes maus que protagoniza. Dizer que é a sua melhor performance desde Embriagado de Amor de Paul Thomas Anderson parece, face ao desastre de decisões nos últimos 15 anos, pouco. Digamos que é de todo o elenco de 1ª classe (que se digna a convidar Sigourney Weaver e Adam Driver para cameos de meros segundos) aqui presente, quem efetivamente rompe melhor com a bolha de segurança.

Por falar em segurança, Ben Stiller parece, pelo menos na minha perceção do que tenho visto dele, daqueles atores que está sempre a fazer o mesmo papel (o seu próprio papel), e aqui não consegue provar o contrário. É um registo eficaz dentro do contexto, mas que acaba por ser sempre limitado, talhado a uma persona. Já Elizabeth Marvel parece-me uma atriz em clara luta por papeis maiores que infelizmente, e ironicamente, tem a personagem mais deliberadamente apagada dos três irmãos – o filme até lhe reserva um mini-segmento em modo parêntesis/interlúdio.

Voltando ao autor destas histórias familiares (não só por serem sobre família, mas por conterem personagens facilmente vistas e revistas) potencialmente pessoais, Baumbach está também ele, tal como as suas referências imediatas acima citadas, preso a um modus operandi. Um modo de storytelling que implica misturar comédia e melancolia à custa de personagens cheias de dramas disfuncionais internos, quase sempre rastreáveis para um passado familiar problemático. Essa disfuncionalidade já provou ser capaz de gerar empatia completa e roçar a perfeição (Frances Ha), mas na maioria dos casos, tal como neste filme, deixa-nos meramente capazes de apreciar o engenho (i.e. uns quantos diálogos deliciosos, e uma boa direção de atores) mas sempre com uma distância de segurança mínima.

Meyerowitz Stories acaba numa nota doce e melancólica (para não dizer aqui e ali com uma cedência emocional refrescante), mas cujo impacto somado acaba por ser ainda assim diminuído face ao que Baumbach nos dá previamente.


André Gonçalves

Notícias