Quinta-feira, 28 Março

«Avant la fin de l’été» (Antes que o Acabe o Verão) por Aníbal Santiago

Entre as fronteiras do documentário e da ficção, Avant la fin de l’été surge como um road movie que tem no seu cerne os fortes laços que ligam Arash, Ashkan e Hossein, três amigos de longa data, que vivem em Paris e são originários do Irão. Estes são os protagonistas deste exemplar de docuficção realizado por Maryam Goormaghtigh, com a cineasta a acompanhar o trio ao longo de uma viagem por diversos territórios de França. O périplo conta com algumas doses de melancolia, ou Arash não pretendesse regressar à sua Terra Natal, após cinco anos a viver em solo gaulês. Ashkan e Hossein encaram a viagem como a derradeira oportunidade para dissuadirem o amigo de partir, enquanto Arash parece inicialmente decidido a abandonar um país onde não conseguiu formar laços.

Ashkan e Hossein parecem perfeitamente adaptados ao território, embora tenham consciência que vivem de acordo com valores distintos em relação àqueles com que foram educados. Arash sente falta de algo que o preencha. É um tipo algo solitário e reservado, que gosta de se divertir, mas não dá muito nas vistas, que conta com um físico imponente e um guarda-roupa que exacerba a sua personalidade afável. Ao longo do filme acompanhamos Arash, Ashkan e Hossein, enquanto viajam de carro, falam sobre mulheres, religião, o passado, as ansiedades em relação ao futuro, com os diálogos a contarem com algumas doses de improviso e a transmitirem sinceridade, com “Avant la fin de l’été” a esgueirar-se de mansinho pelas barreiras do documentário e da ficção. O que é ensaiado ou escrito no argumento? O que é real? São perguntas que fazemos, enquanto ficamos diante de alguns episódios singelos, mas dotados de algumas doses de humanidade. Note-se quando encontramos Hossein e Ashkan na praia, a observarem Arash ao longe, enquanto salientam as saudades que vão ter deste último, ou as sestas peculiares que fazem ao ar livre.

É uma viagem que permite expor algumas das idiossincrasias da França profunda, bem como um olhar do outro sobre este país, enquanto o trio visita feiras populares, mete conversa com estranhos, rouba milho, conhece duas jovens que despertam a sua atenção, entre outros episódios. Existe melancolia a rodear esta viagem, própria de uma separação que se avizinha, mas também alguma alegria, com os protagonistas a contarem com uma cumplicidade latente e um sentido de humor muito próprio. Pelo meio são abordadas temáticas sérias, tais como Hossein estar indeciso entre regressar ao Irão e abandonar a esposa por dois anos, tendo em vista a cumprir o serviço militar obrigatório, ou entrar em incumprimento e nunca mais poder voltar ao seu país natal. É um dilema sério, inserido de mansinho no interior do enredo. Diga-se que Hossein é casado, enquanto que Ashkan conta com uma faceta mulherenga, com o trio a contar com personalidades muito próprias e uma ligação de grande proximidade, algo expresso de forma categórica ao longo do filme.

Durante Avant la fin de l’été é possível observarmos ainda o destaque que Goormaghtigh concede por diversas vezes ao céu, seja em pleno dia, coberto de nuvens ou dotado de claridade, ou de noite, quando a Lua traz uma sensação de nostalgia e algum lirismo, sobretudo nos momentos finais, quando a poesia e a música tomam conta de tudo. A cineasta incute diversos elementos da cultura iraniana no interior do filme, seja a música, ou a poesia de Hafez, enquanto efetua um retrato sincero e singelo da amizade de três indivíduos que estão quase a separar-se. A nostalgia apodera-se tanto do trio como das nossas pessoas, enquanto somos gradualmente compelidos a acreditar nestes personagens bem reais, nas suas ansiedades, nos seus problemas e nas suas dinâmicas. E esse é precisamente o maior mérito do filme.


Aníbal Santiago

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