Sábado, 20 Abril

«Kiss and Cry» por Jorge Pereira

Pegando na temática da patinagem artística – que já tinham tocado em Boucle Piqué – e em adolescentes sob condições extremas de pressão – como o já tinham feito em Nos Fiançailles – o duo Lila Pinell e Chloé Mahieu constroem neste Kiss and Cry um trabalho de docuficção que prima pelo naturalismo das suas sequências com claras influências do cinéma vérité do cinema documental, até porque apesar de desenharem as cenas, as realizadoras deixaram que os “atores” improvisassem os diálogos e diversas situações. E dizemos “atores” porque os protagonistas já viveram e vivem aquelas situações retratadas: Sarah Bramms já foi patinadora e Xavier, o seu treinador.

O duo reparte aqui, a par das amigas de Sarah e a mãe, todo o protagonismo e tensão de um filme que coloca em destaque as rivalidade e os sacrifícios que todos (jovens, pais, professores) fazem para estarem na elite da patinagem. Se a glória os pode esperar, como vemos na sequência inicial com um travelling pelos atletas enquanto cantam a Marselhesa, também é verdade que são forçados a abdicar da sua juventude e do serem “adolescentes normais”; que possam ter o peso que quiserem, irem às festas que quiserem, e terem a vida amorosa que desejarem. Nisto, destaque para as realizadoras que colocam os holofotes sobre todas as questões em jogo, deixando para o espectador a tarefa de pesar os prós e contras e compreender ou não a posição de Sarah.

Realce ainda para a escolha musical que o duo executou, em particular em duas sequências oníricas que funcionam como um pesadelo de Sarah e um sonho de Xavier. No primeiro caso, a escolha de Christine de John Carpenter canaliza toda a tensão e pressão que a jovem tem na sua vida, ali materializada num jogo de cor alaranjado e escuro num palco onde pernoita um rasto de sangue no chão e dois faróis apontados no meio da penumbra (esta pressão que a jovem sente é depois traduzido num diálogo sincero dela com a irmã mais velha). Já o sonho de Xavier, onde predominam os azuis, coloca-o no papel de uma Diva da patinagem ao som do Bom Senso de Tim Maia, como que afirmando que aquilo realmente é a sua vida e que todos os sacrifícios valem a pena.

Jorge Pereira

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