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«Corniche Kennedy» por Aníbal Santiago

 

Ela observa-os ao longe. Tenta roubar um telemóvel e filmá-los na praia. Eles atiram-se do alto das rochas em direção ao mar Mediterrâneo. O confronto é inevitável. Segue-se uma discussão e um desafio. Ela enfrenta os seus medos, atira-se ao mar e conhece uma sensação de liberdade. Rapidamente passa a integrar o grupo. Ela é Suzanne, uma adolescente que se encontra a finalizar o ensino secundário e conta com uma família que lhe proporciona todas as condições para prosseguir com os estudos. Suzanne é interpretada de forma sublime por Lola Créton, com a atriz a transmitir o desejo de libertação desta jovem, bem como a sua ânsia de descobrir, amar, andar ao sabor do vento, nadar e desafiar as regras.

Do grupo de adolescentes sobressaem Mehdi (Alain Demaria) e Marco (Kamel Kadri), dois amigos de longa data que começam a sentir algo mais forte por Suzanne, enquanto esta apresenta uma postura ambígua para com a dupla. A relação do trio é exposta de forma convincente e desenvolvida com acerto, com a química entre Kadri, Demaria e Créton a ser notória, enquanto ficamos diante do quotidiano destes personagens, seja a estabelecerem laços, a transgredirem regras e leis, ou a desfrutarem da beleza do território que os rodeia e a enfrentarem os perigos. O mar transmite simultaneamente uma sensação de libertação e clausura. Este é um espaço onde os personagens se evadem da realidade e extravasam os seus sentimentos, com o trabalho de Isabelle Razavet na cinematografia a realçar a vivacidade da água e as suas tonalidades azuis cristalinas, a violência do embate entre os corpos e o mar, e as sensações inquietas que perpassam pela mente destes jovens que mergulham entre os últimos laivos da irresponsabilidade juvenil e a inevitabilidade da chegada à idade adulta.

Fora do mar, Marco e Mehdi lidam com os perigos do mundo que os rodeia. Ambos vivem num local problemático de Marselha e contam com famílias com poucas condições. Diga-se que Marco trabalha para um traficante, algo que o conduz a entrar na rota de uma polícia (Aïssa Maïga) que se encontra a tentar deter o criminoso, com a representante das autoridades a assumir algum relevo no interior do enredo. Se Suzanne é uma jovem rebelde que foi relativamente protegida pelos pais, lida com um meio distinto em relação àquele em que foi criada e desafia as barreiras sociais, já Mehdi e Marco foram desde cedo obrigados a lidar com o lado negro do mundo dos adultos, com ambos a serem compelidos a “crescer antes de tempo”, embora conservem no seu interior uma certa ingenuidade. Demaria e Kadri contam com interpretações dotadas de competência, prontas a exprimir a mescla de dor, rebeldia, fúria e fragilidade que marca a personalidade dos personagens que interpretam. O argumento, inspirado no livro homónimo de Maylis de Kerangal, ajuda e muito os intérpretes, com estes a contarem com falas que parecem genuinamente de alguém que vive neste meio.

A realizadora Dominique Cabrera exibe uma preocupação genuína para com os personagens e as suas ligações, enquanto desenvolve assuntos relacionados com a transição para a idade adulta (a formação da identidade, os sentimentos exacerbados, a ânsia de sentir e experimentar novos desafios) e um triângulo amoroso, efetua comentários do foro social (note-se as assimetrias do território do título) e embrenha-se por uma investigação policial. Cabrera gosta tanto dos personagens que a espaços deixa que Corniche Kennedy caminhe ao ritmo dos seus sentimentos, algo que ajuda a explicar a forma como se perde a partir do momento em que o enredo entra numa fase decisiva, quando assume uma inconsequência quase juvenil, tenta fugir às repercussões dos temas que lançou e abraça os lugares-comuns. É uma obra dotada de sentimento, capaz de explanar e aproveitar as características do território em que se desenrola o enredo ao mesmo tempo que nos deixa perante um trio de protagonistas que convence, desperta o nosso interesse e faz com que observemos atentamente a forma como desafiam os medos, as autoridades, o destino e as barreiras sociais.


Aníbal Santiago