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«Le Semeur» por Fernando Vasquez

 

O grande vencedor da competição Novos Diretores do Festival de San Sebastian, Le Semeur, a primeira longa-Metragem da jovem cineasta francesa Marine Frances, é um trabalho corajoso e ambicioso, que se compromete a repensar o papel da mulher da forma menos espetável e brutalmente honesta.

França, 1852. Por ordem de Napoleão Bonaparte, prestes a auto declarar-se imperador, republicanos aguerridos por toda a França são executados, encarcerados ou enviados para colonias penais espalhadas pelo império francês. É este contexto que uma pequena vila perdida nos Alpes se vê privada de todos os homens adultos, deixando para trás uma comunidade de mulheres esquecidas pelos ventos de mudança. A exigência física do trabalho agrícola torna a adaptação complicada, obrigando as mulheres a despirem-se de preconceitos e tradicionalismos e tomarem as rédeas das suas próprias vidas. Numa fase inicial o resultando é notável, criando-se assim uma micro-sociedade que ecoa o cenário montanhoso idílico, suficientemente isolado do resto do mundo de forma a não estar dependente dele.

Mas é exatamente aqui que a visão de Marine Francen mais se notabiliza. À medida que vão surgindo tarefas cada vez mais difíceis, o instinto de sobrevivência entra rapidamente em ação, tornando-se imperativo encontrar resposta para a pergunta inevitável que paira persistentemente no ar: “O que fazer se um homem aparecer?” A solução é no mínimo surpreendente. Caso ele apareça será partilhado por todas as mulheres da vila.

Apesar da perseverança das mulheres, o seu espírito continua dominado pela ausência dos homens. O instinto maternal e as necessidades libidinosas temperam muito do pavor provocado pelo isolamento, em particular na protagonista Violette (Pauline Burlet), uma da poucas jovens raparigas ainda por casar. Quando surge em cena Jean (Alban Lenoir), um misterioso forasteiro, é lhe incumbida a missão de o convencer a ficar. Violette ve-se então dividida entre um novo amor e a obediência necessária às necessidades politicas, económicas e biológicas da sua comunidade.

Marine Francen é inteligente na forma como descomplica temas tão complexos como a liberdade, repressão, isolamento, feminilidade e a lealdade, sem nunca descuidar o lado sensorial da experiência, através de um conjunto de opções estéticas por vezes também elas inesperadas.

Por exemplo, a escolha pelo formato 4:9, ainda para mais num filme que também se alimenta do cenário natural do enredo, é triunfante, imprimindo uma perspetiva sempre limitada, onde por detrás dos obstáculos naturais abunda um perigo latente. A câmara dinâmica do diretor de fotografia Alain Duplantier é também ela fulcral, deambulando pelas ruas e campos da aldeia a passo instável, refletindo o espírito e visão das personagens. Apesar destas predefinições meramente pragmáticas, o filme não sofre de maneira alguma com essas limitações. A forma como a luz natural e das velas é utilizada privilegia um intimismo permanente e encantador, que chega mesmo a assumir-se como tímido eroticismo, oferecendo a Le Semeur uma qualidade sensorial e orgânica.

Exímio na forma como aborda as mulheres e o seu universo, Le Semeur torna-se no entanto menos eficiente no que toca às personagens masculinas. A performance de Alban Lenoir é de tal maneira discreta, vitima de uma personagem unidimensional a nível de caráter, mas repleta de significado neste argumento, que se torna irrelevante. Muito possivelmente este desequilíbrio é propositado, e até certo ponto com sentido, no entanto esta opção revela-se como uma limitação no final da história.

A estreia descomplexada de Marine Frances vence acima de tudo na polidez e controlo da direção da autora, que aborda temas de valor contemporâneo com uma solidez impressionante. Le Semeur será facilmente, e com todo o merito, um inesperado “intruso” bem-vindo em muitas listas de melhores filmes de 2017.


Fernando Vasquez