- C7nema.net - https://c7nema.net -

«The Trip to Spain» (A Viagem a Espanha) por Aníbal Santiago

Num determinado momento de The Trip, encontramos Rob Brydon a salientar “It’s 2010, everything’s been done before. All you can do the same but better or differently“. The Trip to Spain está consciente disso, ou seja, não tenta fazer melhor do que The Trip, ou The Trip to Italy, os dois anteriores filmes da “saga”, mas aparece como algo relativamente diferente e igualmente hilariante. Desta vez não encontramos as versões ficcionais e exageradas de Rob Brydon e Steve Coogan a viajarem pelo Norte de Inglaterra (The Trip) ou por Itália (The Trip to Italy), mas sim por diversos territórios de Espanha, enquanto efectuam imitações, escarnecem um do outro, expõem os seus feitos e as suas fraquezas, exibem um talento notório para a improvisação, e claro, provam boa comida.

The Trip to Spain é um hino à improvisação e à arte de fazer comédia, que beneficia imenso da mestria com que Steve Coogan e Rob Brydon dominam os timings humorísticos, transmitindo a intimidade que marca a relação de amizade da dupla de protagonistas. É, também, um retrato sobre a masculinidade e a forma como os homens encaram o avançar da idade, a paternidade, o amor e a amizade, com The Trip to Spain a colocar-nos diante de dois indivíduos que se conhecem há bastante tempo.

O filme joga com o facto de já conhecermos estas personagens e as suas peculiaridades, seja o prazer que Rob tem em imitar a voz de Roger Moore, Michael Caine ou Al Pacino, ou os comentários sardónicos de Steve, com Michael Winterbottom a criar a agradável sensação de que estamos a revisitar velhos amigos ao mesmo tempo que atribui novas camadas a estas personagens. Diga-se que essa sensação de familiaridade faz com que esperemos com ansiedade pelas reacções de Steve às imitações de Rob, ou aguardemos com alguma curiosidade pelo regresso do “homem na caixa“, entre outros exemplos.

Se a trilogia iniciada em “Before Sunrise” aborda com acerto o relacionamento de um casal, já estas viagens protagonizadas por Steve e Rob permitem explorar as dinâmicas de uma relação de amizade entre dois homens. A dupla de protagonistas propõe-se a efetuar seis refeições em seis sítios diferentes de Espanha, enquanto tem de escrever críticas gastronómicas e visitar uma série de locais. As imitações fazem parte do cardápio, bem como os diálogos mordazes e plenos de humanidade, com os intérpretes a parecerem divertir-se imenso, dando vida a versões exageradas de si próprios. Veja-se como um diálogo sobre os mouros pode servir para um momento hilariante em que Roger Moore é metido à conversa, e imitado de forma exaustiva, ou a cena em que aparecem vestidos de Dom Quixote e Sancho Pança.

Steve continua solteiro e solitário, tenta estar próximo do filho, mantém sentimentos fortes por Mischa e procura que ninguém mexa no argumento que escreveu. Rob tem mais um filho e exibe uma enorme união e proximidade com a esposa. A faceta mais séria destes indivíduos também não é esquecida, seja quando os assuntos versam a vida privada ou a carreira profissional dos intérpretes, ou nos momentos em que assumem uma faceta melancólica. Note-se o caso de Steve, que tenta lidar com o facto de não poder controlar o tempo e o avançar da idade. A relação com Mischa está num impasse, sobretudo devido ao facto desta ser casada com outro homem, enquanto que o filho, agora com vinte anos de idade, prepara-se para lhe dar uma surpresa, com Michael Winterbottom a saber utilizar os ingredientes que tem à disposição com acerto.  

Sim, The Trip to Spain pode ser considerado uma espécie de resumo da terceira temporada de The Trip. Sim, a sua “linguagem” está mais próxima da TV do que do cinema. Sim, podemos ser um pouco cínicos ao salientar que estamos diante de comida requentada. No entanto, é comida requentada que sabe melhor que muitas refeições feitas na hora. Os diálogos acutilantes acumulam-se, tal como as situações em que a história e a cultura dos espaços por onde os protagonistas circulam são eficazmente aproveitados, enquanto Steve Coogan e Rob Brydon improvisam, incutem densidade às suas versões ficcionais, contribuindo para que The Trip to Spain confeccione como um pedaço hilariante de entretenimento.

Aníbal Santiago