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«Death Note» por André Gonçalves

A apropriação cultural do Ocidente da cultura oriental é um tema proeminente desde que Hollywood se interessou em produzir remakes em massa dos maiores êxitos do terror asiático.

Seria portanto difícil a Death Note, segunda adaptação norte-americana de peso de um anime em 2017 (após Ghost in the Shell [1]escapar às mesmas críticas que outras transições receberam. Mas o que pessoalmente incomoda mais neste resultado final não é o whitewashing em si, mas a cobardia em executar uma apropriação a 100%, gerando aqui um autêntico limbo criativo. A ação pode ter mudado do Japão para Seattle, mas ao contrário de outras apropriações, como The Ring – a adaptação que começou no fundo toda esta febre, não há qualquer cuidado em dar identidade ocidental, para além de mencionar o nome da cidade. O protagonista mantém o mesmo nome do anime, por muito inacreditável que possa soar para um all american boy; a explicação para a adoção do nome japonês Kira é também de si esfarrapada. Poderão parecer pequenos pormenores, mas são pequenos aspetos que de si minam a suspensão de descrença na fantasia que deveríamos ter aqui. 

Death Note é agora então a história de Light Turner (o apelido mudou, vá), um adolescente que um dia vê um bloco de notas cair do céu. Nele, estão contidas regras. Nomeadamente, a “principal”: o nome que for escrito nesse bloco morrerá, cabendo ao escritor de preencher os detalhes dessa morte…

Pior é olhar para os créditos, e perceber que Adam Wingard, que já tinha provado duas vezes o seu valor com You’re Next [2]The Guest [3], não conseguiu desta feita ir além de um esforço em trazer uma boa seleção musical aos procedimentos (algo que não será surpresa para quem testemunhou os dois filmes acima), com a dupla de irmãos Atticus e Leopold Ross a lutar para salvar muito deste filme morto à chegada. Caso contrário, a sua realização é serviçal na melhor das hipóteses, decidindo até piscar aqui e ali o olho ao franchise Final Destination pelo caminho, só para garantir que também há uma apropriação interna. Esperemos que o cheque tenha sido bem empregue. 

Já nos atores, quem se safa melhor é precisamente quem teve o cuidado de emprestar apenas a voz, salvando assim uma associação direta. Willem Dafoe (quem mais para um papel vilanesco?) pica bem o ponto a fazer o “boneco” do espírito da morte Ryuk, enquanto que o protagonista Nat Wolff, que tão boas indicações tinha dado em papéis para adaptações sacarinas de John Green ao cinema, espalha-se numa performance que nem sacarina consegue ser, basicamente acumulando mais más decisões que um argumento escrito a seis mãos (oficialmente, pelo menos). 

O melhor que este Death Note conseguiu pescar já foi visto no anime. E o pior não merece definitivamente ser visto. Uma tremenda oportunidade perdida – em estar quieto, ou então, de levar a 100% a tão falada “apropriação cultural”, com uma história que pudesse então explorar a diferença cultural em vez de replicar o que dificilmente seria replicável… 

André Gonçalves