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«Wiener Dog» (Wiener Dog – Uma Vida de Cão) por André Gonçalves

Será fácil perdoar a uma nova geração que possa responder à referência Todd Solondz com “Todd quem?”. A verdade é que um dos mais promissores cineastas do cinema independente norte-americano da década de 90 acabou por ficar demasiado preso na memória coletiva ao seu opus chamado Happiness (que sucedia por sua vez à consagração de um novo autor com Welcome to the Dolhouse), que os seus filmes posteriores foram encarados como automaticamente inconsequentes, afterthoughts

Wiener-Dog não escapará novamente a este síndrome – o filme chega-nos cá até com mais de um ano de atraso em relação à sua estreia nos principais mercados, tendo sido amenamente recebido entretanto. Mas merece melhor destino. É um filme tremendamente hilariante, àquele nível de deitar leite pelo nariz (mesmo não tendo bebido leite previamente, será uma outra mistura), e deveras corajoso, ao pôr o humor ao serviço de um tema tão sério como a mortalidade.   

Solondz sempre soube demonstrar a sua anarquia e raiva contra um certo politicamente correto que permeia, entre outros locais, as seleções de Sundance – um Festival que tanto tem servido como rampa de lançamento para a sua arte, ironicamente. A sua força é precisamente encontrar o humor (e o amor pela humanidade) nos lugares mais temidos e nas personagens mais à margem da sociedade cristalina – ou disfuncionalmente preciosa, em muitos casos. Pedófilos, violadores, bullies, deficientes … o que em mãos alheias poderia parecer mera táctica de choque, Solondz faz com que a piada, ou o drama (ou ambos!), esteja com o espetador na mira, nunca perdendo a ideia de que ele está na piada e ele é a piada. Há uma citação brilhante na sua obra-prima incontornável (que tanto problema de expetativa tem dado ao cineasta deste então), em que uma das personagens femininas vira-se para a sua irmã e diz: “não me estou a rir de ti; estou-me a rir contigo“, ao que ela responde: “mas eu não me estou a rir...”, e é precisamente a rir do (e com o) espectador que ousa em não se rir que sentimos que Solondz está a fazer desde que tornou a sua arte pública.  

Nesta história sobre o cão salsicha do título que viaja por pelo menos cinco casas diferentes, sente-se um “mojo” readquirido, uma vitalidade que dá 10-0 à competição imediata de dramédias norte-americanas em redor, mesmo quando tudo aparece apontar contra. A narrativa é episódica, sim – dividida em 4 episódios, 4 “famílias” de acolhimento do cachorro – mas plenamente consciente disso, ao ponto de piscar o olho ao espectador a meio com um “intervalo” à antiga. O realizador comete até o “pecado” de voltar ao passado, mas quem não viu Welcome to the Dollhouse não vai notar na referência ao longo do segundo episódio (além de que os atores foram trocados). A sua rebeldia, aquela que nos chocou em Happiness com a fantasia do pedófilo em matar as pessoas de um jardim, ou a primeira ejaculação do filho desse pedófilo, talvez esteja mais explícita no primeiro e último segmentos, onde uma estrada coberta de fluídos/massas corporais acaba por sinalizar um potencial final que não o será realmente… 

E já falei sobre o quão hilariante é este filme, mesmo quando a gargalhada é parcialmente abafada pelo politicamente correto ainda remanescente em todos nós? 

André Gonçalves