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«3 Generations» (3 Gerações) por André Gonçalves

Nem de propósito, outro filme com uma função social bem acima dos seus méritos cinematográficos estreou esta semana, e que poderia, com as devidas distâncias, fazer bom par com To the Bone [1] (em exibição no Netflix).

3 Gerações é a história de uma família com um índice de disfuncionalidade bem acima da média “Sundance”. Senão vejamos: a avó (Susan Sarandon) fez um coming out tardio, após ter a sua filha (Naomi Watts) que, por sua vez, andou com dois irmãos, sendo que um deles é o pai de Ray (Elle Fanning), um transgénero prestes a efetuar a transição do género feminino para o masculino.

O cinema norte-americano sempre foi especialista em “filmes-cobertor”, saídos muitas vezes de uma estrutura independente a fazer piscar o olho à Academia. 3 Gerações poderia estar por debaixo desta mesma definição. Foi, contra todas as expectativas, um flop. E digo “contra todas as expectativas”, uma vez que contratar três das melhores atrizes das respetivas gerações foi uma jogada seguríssima e que virtualmente daria até lugar aos prémios da praxe…

O que falhou? Bem, face a outros filmes premiados do último ano (por si só tão sobrestimados como este foi de algum modo subestimado), é mais fácil responder “não sei”. É que 3 Gerações pretende de tal modo agradar (i.e. fazer rir) e ensinar os seus espectadores, que, no papel, a sua condescendência benigna, capaz de captar mais gargalhadas que a comédia norte-americana comum, deveria por si só ser uma fórmula vencedora em terras de tio Sam. Não foi. E aqui talvez a segurança comercial tenha sido mais óbvia para os grupos de ativistas LGBT politicamente corretos – não faltarão artigos a condenar o uso de atores cisgénero para personagens transgénero, usando esta obra como mais um exemplo de uma lista infindável, vindo num ano de mudanças para os direitos “trans”.

Resultado: o esforço notório da cisgénero Elle Fanning saiu completamente ignorado; as performances das duas matriarcas foram também facilmente relegadas para um estatuto de “já fizeram isto”; e a realizadora e co-argumentista Gaby Dellal viu aqui uma oportunidade perdida para abanar espectadores, independentemente do seu espectro político no que toca a direitos humanistas, de liberdade em fazer o que se quer com o próprio corpo. Há um plano, talvez até o mais “vistoso” de todo o filme se não contarmos as filmagens na primeira pessoa de Ray, onde o papel de consentimento para o processo de tratamento da disforia de género anda amarrotado a saltitar no banco de trás do carro sem nunca realmente sair do banco – o filme acompanha precisamente (e apenas!) esse impasse de uma forma académica e bem comportada, sem nunca se transmutar, cumprindo um mero programa didático.

Tudo isto soa demasiado fácil, pesem até alguns resultados positivos deste desejo insaciável de ser um crowd pleaser. Seria muito pedir mais, mesmo perante as gargalhadas sentidas ao longo destes 90 minutos? Ficará ao cuidado de cada um, e do que cada um pretende do seu cinema. Para este espectador, o conforto deste cobertor acaba por trair até o princípio da sua temática, que merecia ser tudo menos confortável…

André Gonçalves