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«To the Bone» por André Gonçalves

Estima-se que cerca de 30 milhões de pessoas sofram de anorexia nervosa só nos Estados Unidos. Ainda assim, esta desordem, como outras tantas de foro psicológico, continua a ser subestimada.

To the Bone, escrito e realizado por Marti Noxon (co-criadora da série de televisão “UnREAL”), presente na competição do Festival de Sundance, assume a sua função social de alertar o mundo para a gravidade desta condição. Com a alçada da Netflix, que adquiriu a obra por 8 milhões de dólares, a obra alcança então uma potencial audiência composta por milhões de espectadores por todo o mundo, que poderão assim identificar-se, enquanto familiares de doentes ou “vencedores corajosos” em recuperação.

Ellen é uma de muitas adolescentes afetadas por esta condição, vítima também (como muitos outros) de uma família altamente disfuncional, marcada por um pai ausente, uma mãe lésbica, e uma madrasta com as melhores intenções mas também com execuções nada felizes dessas intenções… Uma visita a um médico menos convencional (Keanu Reeves, a dar uma perninha em piloto automático) leva-a a um internamento numa casa, juntamente com outros pacientes com a mesma patologia.

Noxon, ela própria uma sobrevivente de distúrbio alimentar, não comete felizmente o erro de romantizar a doença a contar a sua história ficcionada, embora a temática complexa encontre aqui uma linha de humor que consegue conviver com o drama pessoal, e assim escapar ao sentimento puro de estarmos a assistir a um drama televisivo lamechas de “caso de vida” (heranças da escola A Culpa é das Estrelas, portanto). Dito isto, mesmo perante um tema pouco visto enquanto único motor de uma narrativa, e uma frescura em alguns diálogos, faltou ainda assim originalidade para efetivamente separá-lo de outros dramas a retratar doenças mais “populares”…

No papel principal de Ellen/Eli, Lily Collins impressiona, logo a um nível superficial/físico, ao aceitar perder de novo quilos que tinha conquistado em nome da arte. Collins, tal como Noxon, sofreu também de distúrbio alimentar, o que só terá ajudado a tornar uma performance sem qualquer gesto em falso. 

Pesando tudo na balança, o saldo fica ainda assim a uns quilos do peso ideal, mas o que falta em momentos de criatividade cinéfila é suplementado com uma empatia genuína – oferecida, lá está, por quem já passou pela história que apresenta. E isso também não merece ser tão menosprezado como a condição em si ainda o é em 2017.

André Gonçalves